"Somos um país que podia exportar muita arquitectura"

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As seis caixas, inspiradas nas antigas arcas de viagem, já andaram por Londres, Barcelona, Milão, entraram em Portugal pelo Algarve (Loulé) e aterraram no Museu da Elecricidade, em Lisboa RUI SOARES

A exposição "Overlappings", que chegou ao Museu da Electricidade depois de um périplo internacional, é o pretexto para uma pergunta: estaremos a fazer algo para promover, e exportar, um produto que já conquistou uma imagem de qualidade no estrangeiro como é o caso da arquitectura portuguesa? Alexandra Prado Coelho

Seis ateliers de arquitectura portugueses fizeram as malas, montaram uma exposição, e despacharam-na mundo fora. As seis caixas, inspiradas nas antigas arcas de viagem (feitas pelo arquitecto João Favila), já andaram por Londres, Barcelona, Milão, entraram em Portugal pelo Algarve (Loulé) e aterraram agora no Museu da Elecricidade, em Lisboa.

"Overlappings" é uma exposição que tem andado a divulgar a arquitectura portuguesa. E o Estado português no meio de tudo isto?, perguntam os arquitectos. Por onde anda? A propósito do que deveria ser feito para potenciar o bom nome que a arquitectura portuguesa já tem a nível internacional, fomos ouvir os ateliers representados nesta exposição: Aires Mateus, Ricardo Bak Gordon, João Favila, Inês Lobo, Paulo David, Ricardo Carvalho+Joana Vilhena. E - note-se - não estamos a falar necessariamente de dinheiro. Ouçamo-los.

Ricardo Bak Gordon: "Muitas vezes não é de dinheiro que se está a falar, mas da dinâmica para fazer chegar [a arquitectura portuguesa] aos lugares certos e nas horas certas."

Inês Lobo: "O grande promotor da arquitectura portuguesa é o Siza. E não é ninguém a promovê-lo. É ele próprio."

Ricardo Carvalho: "O Estado português não se pode dar ao luxo de não promover a arquitectura portuguesa. O preço é demasiado elevado."

Manuel Aires Mateus: "Há uma estratégia? Não. E isso não custa dinheiro. Não há dinheiro e por isso não vale a pena pensar no assunto? Isso é a demissão total. O Estado demitiu-se da promoção da arquitectura."

Paulo David: "Há uma fuga de jovens arquitectos com qualidade, que não encontram lugar no país."

João Favila: "Era preciso um maior apoio institucional. Muitos ateliers trabalham numa pequena escala e têm dificuldade em ser operativos no exterior."

Prática ou arte?

Quase todas as conversas começaram com uma referência a dois nomes: Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, os dois arquitectos portugueses com verdadeira projecção internacional e que fazem despertar a curiosidade dos estrangeiros e levá-los a querer conhecer melhor o trabalho de outros arquitectos portugueses.

"É como se fôssemos a Albânia com dois prémios Pritzker [o mais importante prémio de arquitectura do mundo, que foi já atribuído a Siza e Souto de Moura]", diz Bak Gordon. "Porque é que os organismos públicos não puxam por isto?". Ou seja, porque é que não existe uma estratégia que passe pelo AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal) e pela rede diplomática portuguesa para mostrar o que fazem os arquitectos portugueses e para abrir caminho, estabelecer contactos, criar pontes, como acontece com empresas noutras áreas?

O problema, na opinião de Ricardo Carvalho, é que "para o AICEP a arquitectura é uma prática com características artísticas e intelectuais, e para a Direcção-Geral das Artes [DGArtes] é uma prática que implica construção e portanto não é arte pura". O que leva a que não seja promovida nem por um lado nem pelo outro. "Vivemos numa espécie de interstício entre uma prática artística e a prestação de um serviço."

Que não há dinheiro é algo que já todos entenderam. Mas Inês Lobo acredita que isso explica em parte o sucesso do modelo da "Overlappings" que "pela simplicidade com que foi feita, pelo fácil que é montar e desmontar, foi bastante económica." E é esta necessidade de se pensar com menos dinheiro que, defende ainda Ricardo Carvalho, nos deveria levar "a reflectir sobre a qualidade do que [no passado] Portugal apresentou nas bienais de arquitectura Veneza e São Paulo, e o real efeito que teve".

Se calhar não é preciso gastar-se muito dinheiro em exposições muito caras. Se calhar, afirma Bak Gordon, o que falta é dar continuidade a esse esforço de montar uma exposição. "Nada vai acontecer enquanto a arquitectura não for reconhecida como uma mais valia." O que os arquitectos esperavam era, por exemplo, "ajuda para fazer ligações com empresas que já estão representadas no Brasil", explica. "O que fazem hoje os diplomatas se não for diplomacia económica?".

Veja-se o exemplo espanhol, diz Manuel Aires Mateus. "Na política diplomática espanhola a arquitectura está sempre presente. Nos Encontros Ibero-Americanos de Arquitectura [em países da América Latina] o embaixador espanhol está sempre presente, e nunca vi um português. Na política portuguesa a ideia de promoção da arquitectura não tem cabimento. Para os espanhóis tem todo o cabimento."

João Favila dá outro exemplo do que poderia ser feito: "Há muitos ateliers - e já me aconteceu a mim - que são contactados por empresas que fazem a ligação com potenciais investidores. Perguntam-nos se estamos interessados em ter reuniões na América Latina. Mas um pequeno atelier não tem capacidade para isso, apesar de se tratar de verbas ridículas." E, como exemplo do que a boa imagem de um arquitecto pode fazer por um território, refere Paulo David, baseado na Madeira, e que "conseguiu ter uma repercussão internacional e levar à Madeira muita gente propositadamente para ver o trabalho dele."

Paulo David fala, por seu lado, num fenómeno que o preocupa: a saída do país de jovens arquitectos com qualidade e que não encontram trabalho em Portugal. "O Estado investiu no campo universitário, no corpo docente. Não deveríamos todos juntos, Estado, Ordem dos Arquitectos, encontrar uma forma de estancar a saída destes valores?". Até porque em Portugal há muito para fazer. "Somos um dos países interessantes na área da arquitectura. A grande questão é: tendo esta qualidade [a nível de arquitectos], como é que temos um território tão desprezado?".

Há também um esforço que passa necessariamente pelos arquitectos. "Acabei de chegar da América Latina e percebi que os jovens arquitectos inventam clientes. Produzem ideias para um lugar e vão à procura de quem queira apoiar essas ideias", conta Paulo David. Mas a forma de trabalhar também está a mudar. "Não podemos estar todos dentro de um gabinete a desenhar casas. Os arquitectos têm que entrar nos campos de decisão, de planeamento. O país tem muito para pensar, para reflectir."

Inês Lobo concorda: "Há muito trabalho a fazer de reflexão sobre as cidades. São coisas que não implicam construção, implicam pensamento." Porque não se pode apenas pensar em "ir para fora" - "temos que nos lembrar que o que se está a passar não é só em Portugal, e a Europa está bastante mais fechada, chegamos à Alemanha e estão lá os arquitectos alemães."

Manuel Aires Mateus lembra também o investimento que foi feito na qualidade do ensino da arquitectura em Portugal e pergunta porque é que não se aproveita melhor isso. "Temos um ensino com grande capacidade de chamar alunos estrangeiros para Portugal. A percepção [dessa qualidade] existe, mas os canais são muito pequenos. É uma área que devia ser mais trabalhada."

E deixa um apelo - e a tal ideia de que nem tudo passa por dinheiro: "Não acho que o Estado tenha que mobilizar mundos e fundos. Tem que viabilizar canais, estar atento. Somos um país que podia exportar muita arquitectura. Não há dinheiro - isso a gente percebe. Mas não há ideias, estratégia - e isso custa mais a perceber."

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