Portugal éacasa dePavel Gomziakov

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As colaborações com músicos portugueses e a paixão por Lisboa levaram-no a tornar-se cidadão português. Agora é um violoncelista luso-russo que viaja pelo mundo e que quer aprofundar a sua relação com a música portuguesa. Amanhã toca Lopes-Graça com a Orquestra Metropolitana

Os melómanos mais atentos já devem ter reparado que o violoncelista Pavel Gomziakov toca frequentemente em Portugal - no final de Janeiro interpretou o Concerto de Dvorák com a Sinfónica Portuguesa e amanhã (dia 31, 21h) apresenta-se com a Orquestra Metropolitana no CCB - mas poucos saberão que adquiriu a nacionalidade portuguesa e que o seu porto de abrigo é Lisboa. Nasceu na região dos Urais (Rússia), estudou em Moscovo, Madrid e Paris e a sua carreira tem-lhe permitido viajar por múltiplas cidades europeias, pelos EUA e pelo Japão, mas diz que só se sente em casa em Portugal.

"Apaixonei-me por Lisboa, fiz muito amigos, as pessoas são simpáticas e generosas e a hospitalidade é fantástica", diz. "Depois de ter vivido em Madrid e Paris parecia-me que não pertencia a lado nenhum, mas cada vez que visitava Lisboa sentia-me relaxado, era como chegar a casa." Além das razões emocionais pesaram também questões práticas. Estava cansado de andar de embaixada em embaixada a pedir vistos. Em 2010 recusaram-lhe a autorização para uma deslocação de três dias a Londres a fim de ensaiar com o maestro Trevor Pinnock antes da sua estreia nos EUA com a Sinfónica de Chicago. "Na altura perdi os meus bilhetes e os do violoncelo e decidi-me a pedir a nacionalidade portuguesa. Afinal de contas já me sentia português!"

Foi através da sua parceria com Maria João Pires, iniciada em 2007 após concerto no Festival do Escorial, em Madrid, e documentada num aclamado CD que inclui a Sonata para Violoncelo e Piano de Chopin (Deutsche Grammophon, 2009), que a carreira de Gomziakov começou a despertar atenção. Mas as relações com Portugal eram anteriores. "Fui colega do pianista Filipe Pinto Ribeiro no Conservatório de Moscovo e mais tarde quando já estava a estudar em Madrid ele contactou-me para colaborar com o Schostakovich Ensemble. Comecei a tocar com o Filipe e a [violinista] Tatiana Samuil em Lisboa e em cidades como Porto e Faro, bem antes do encontro com Maria João Pires", conta. "Agora tenho um projecto com Artur Pizarro, outro grande pianista. Vamos preparar um programa com música de Rachmaninov e Schostakovich, que será apresentado no CCB."

Matemática derrotada

A proximidade com Portugal tem incentivado também a descoberta de repertório. "Queria incluir música portuguesa nos meus concertos e surgiu a ideia de tocar o Concerto da Camera col Violoncello Obbligato, de Fernando Lopes-Graça, que conhecia já de gravações, com a Metropolitana." Gomziakov acha que é uma das obras mais importantes da música portuguesa e do repertório para violoncelo do século XX. "É estranho que poucas pessoas a conheçam, mesmo no circuito profissional. O repertório para violoncelo não é assim tão amplo, se o compararmos com o de violino, não podemos ignorar uma obra como esta." O facto de ser uma peça dedicada ao lendário Mstislav Rostropovich, que a estreou em Moscovo em 1968, tem também valor simbólico. "Estudei com Natalia Schakhovskaya, que foi aluna de Rostropovich, sinto-me ainda ligado a essa tradição." O concerto será dirigido por James Judd e inclui também a Abertura de A Flauta Mágica, de Mozart, e a Sinfonia nº1, de Bruckner.

"Lopes-Graça é o Bartók português, no Concerto da Camera col Violoncello Obbligato a música é por vezes sombria e profunda, com partes que evocam sofrimento e dor, por vezes lembra Chostakovich, que nasceu no mesmo ano, mas Lopes-Graça tem a sua própria linguagem, que é muito forte." O violoncelista apresentou em público uma outra obra do compositor (Página Esquecida) e no futuro gostava de tocar a Sonata para Violoncelo de Luís de Freitas Branco e de poder incluir no seu repertório outras obras portuguesas.

No início da adolescência Pavel chegou a hesitar entre a matemática e a música, mas esta última venceu. Em Moscovo foi aluno de Dimitri Miller, "um pai na minha aprendizagem de violoncelista", e foi por conselho deste que procurou outros horizontes anos mais tarde na Escola Superior Reina Sofia de Madrid, onde foi aluno da russa Natalia Schakhovskaya. Mais uma vez, havia portugueses por perto. "Na época, Teresa Valente Pereira e Marco Pereira eram também alunos da Schakhovskaya", conta Gomziakov. O terceiro professor marcante no seu percurso foi Philippe Muller em Paris, permitindo-lhe "uma boa combinação entre a escola russa e a escola francesa."

Apesar de ser jovem (nasceu em 1975), tem-se dedicado pontualmente ao ensino. "Dei masterclasses na Universidade do Minho, em Braga. Encontrei alunos talentosos, mas em alguns casos foi preciso mudar a sua mentalidade em relação ao trabalho. Ensinar a tocar violoncelo não é difícil, difícil é ensinar alguém a tornar-se músico. A música está para lá da mera abordagem física do instrumento, significa ligar o som à emoção, o movimento tem de ser feito em função do som e do significado que queremos obter e não o contrário."

Nas últimas duas temporadas, Pavel tocou com a New Japan Philharmonic, a London Chamber Orchestra e a Orchestre National de Montpellier, deu recitais, gravou um CD dedicado a Saint-Säens com o violinista Augustin Dumay. A carreira internacional ocupa-lhe todo o tempo, mas não exclui um olhar sobre a vida musical portuguesa. "Há programações interessantes mas faz falta um festival de música de câmara como sucede em França, na Alemanha ou na Suíça. Sei que é um período difícil para Portugal, mas fica esta ideia até porque não é assim tão dispendiosa e existem sítios magníficos para a pôr em prática: bibliotecas, palácios, igrejas, Mafra, o Palácio da Ajuda... Portugal tem um imenso potencial à espera de ser explorado."

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