O espaço visto pelo coração

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Koo Jeong A. nasceu na Coreia em 1967. Na sua biografia diz viver e trabalhar em todo lado. Não é capaz de reconhecer nenhum sítio como sendo a sua casa ENRIC VIVES-RUBIO

Coração, braços e pernas são as medidas da coreana Koo Jeong A., as suas ferramentas de trabalho. Não existe outro tipo de inteligência ou de apropriação que lhe interesse. O registo poético é o conveniente. A ver no CAM, em Lisboa. Nuno Crespo

Koo Jeong A. nasceu na Coreia em 1967. E não sabe bem onde vive. Na sua biografia diz viver e trabalhar em todo lado. Uma errância inesperada porque sente nunca ter deixado a Ásia, disse ao Ípsilon numa conversa sobre a sua exposição em Lisboa. Mas a razão mais forte talvez seja o facto de não ser capaz de reconhecer nenhum sítio como sendo a sua casa.

Ainda que seja uma artista desconhecida em Portugal, já expôs no DIA: Beacon Art Foundation em Nova Iorque (2010), participou na Bienal de Veneza (2009), na Performa (2005), na Bienal de Sydney (2004), na Manifesta (2000), entre muitas outras exposições individuais e colectivas.

Nesta sua primeira exposição em Portugal, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, apresenta um conjunto de 5 caixas que são dispositivos de diálogo com o espaço do CAM, o público e os múltiplos sentidos que os conceitos de objecto artístico e espaço expositivo podem ter. Não se trata de um trabalho formal, mas de um trabalho acerca das "ligações significativas entre a vida e o que a rodeia", diz.

E estas ligações materializam-se de formas muito diferentes. Não se pode dizer que haja um estilo ou linguagem dominantes: Koo Jeong A. faz desenho, objectos, instalação. O que determina a especificidade de cada trabalho é o "diálogo com os elementos dos lugares" em que trabalha "e que fazem sentido num certo contexto. Não me interessa saber qual é a forma que resulta deste processo."

Coração, braços e pernas

É importante realçar esta indiferença relativamente à forma, porque estes trabalhos desenvolvem-se a partir de "uma interpretação do uso do espaço e dos objectos". Ou seja, a pesquisa artística de Koo Jeong A. não é sobre uma essência espacial ou escultórica, mas sobre o modo como essas realidades espaciais são integradas na vida humana. Por isso, a sua obra é sempre associada a um registo subjectivo, poético e invisível.

Os aspectos materiais e formais surgem porque, afirma Koo Jeong A., "as nossas mentes precisam de fortes estímulos." Esta afirmação serve à artista para descrever o modo como no seu trabalho, por mais que se ambicione a invisibilidade, se tem sempre de recorrer à matéria, de ocupar o espaço, de tornar visível e presente. As "caixas", que fez para o CAM, têm esta origem. A sua génese reside em tentar "extrair o sentido do habitual espaço expositivo em forma de caixa branca."

Estas caixas brancas (que aparentemente correspondem ao suposto espaço neutro ideologicamente apropriado para exibir obras de arte) não são espaços prontos a ser ocupados por estarem vazios. Pelo contrário, são espaços impossíveis de usar: são caixas fechadas, mesmo quando existem escadas de acesso elas não dão a sítio algum e os interiores só são observáveis do exterior e nunca percorríveis ou habitáveis. Os interiores já estão ocupados por cores e pelo próprio vazio, o qual é aqui fundador de uma espacialidade específica.

Que estes interiores sejam palco de acontecimentos próprios corresponde a um desejo da artista. Diz ela: "desejava que o espaço tivesse uma vida diferente da do público." O que não significa inverter a relação habitual em que é o público que activa e torna presentes os diferentes acontecimentos artísticos. Esta afirmação mostra que para esta artista o espaço dá indicações precisas, reflecte desejos e presenças que se podem tornar manifestas e visíveis. E o seu projecto para Lisboa tem esta ambição no seu centro: os espaços que cria estão vedados para que os público se dê conta do vazio ser só aparente porque as presenças podem ter expressões tão variadas como um luz, uma cor, etc., e portanto a atenção humana tem de ser mais aguçada e sensível e dirigir-se para presenças diferentes das habituais.

Aspectos estes que correspondem a descobertas sensíveis feitas pela artista, porque, como afirmou ao Ípsilon: "o meu interesse pelo espaço está nos meus braços e no meu coração aproprio-me deles." É o corpo e, mais especificamente, o coração o lugar de todas as metamorfoses e ressonâncias artísticas. E se é o coração que faz a mediação, que torna inteligível e compreensível o espaço, quanto ao tempo o seu operador são as pernas: "o meu interesse pelo tempo está nas minhas pernas."

Coração, braços e pernas são as medidas desta artista e são as suas ferramentas de trabalho. Não existe nenhum outro tipo de inteligência ou de apropriação que lhe interesse, por isso o registo poético é o mais conveniente, porque dá conta das tensões entre visível e invisível, entre cheio e vazio e, sobretudo, entre palavra e silêncio que tão bem caracterizam o seu trabalho.

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