A consciência de uma parte da América cheira a fraldas

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Louis C.K. Matthias Clamer/Corbis

"Santo moderno", "o homem que re-volucionou a comédia", diz-se de Louis C.K., agora nomeado para os Globos de Ouro como Melhor Actor em Comédia. Ele assegura que a sua matéria-prima são a família e a imagem clássica do homem branco de classe média. Pelo meio fica um retrato da América, em humor cáustico.

A 4 de Novembro, a Internet acordou para dar de caras com uma invasão de vídeos humorísticos protagonizados pelo mesmo homem: um tipo anafado, careca e de barbicha chamado Louis C.K. Os vídeos - referentes à actuação de C.K. no programa Saturday Night Live da noite anterior, que o humorista, pela primeira vez na sua carreira, apresentou - foram disponibilizados por media credíveis, que faziam acompanhar as imagens de insanas declarações de espanto - a mais entusiasmada das quais vinha da respeitada revista Salon, que dizia "Louis C.K. a Presidente".

O Saturday Night Live - o mais antigo programa de humor da TV americana - já conheceu melhores dias e não é de todo normal que faça as manchetes do dia seguinte, pelo que o barulho ao seu redor é um sinal da grandeza de C.K., hoje considerado o mais próximo que os EUA têm de um "génio da comédia", expressão repetida à exaustão pelos meios de comunicação no dia 4.

De há um ano para cá, C.K. é "o homem que revolucionou a comédia". E voltou a sê-lo em Novembro, quando anunciou que a gravação do seu mais recente espectáculo de stand-up comedy seria vendida em dois formatos diferentes: primeiro a actuação será exibida no canal HBO (o mesmo que criou Sopranos) e, meses depois, por apenas cinco dólares (3,8€), será posta à venda no seu site, louisck.com.

C.K. começou esta estratégia no ano passado. Estava relativamente cansado dos intermediários no negócio do humor e decidiu vender directamente no seu site a gravação de uma actuação sua no Beacon Center. O esquema habitual de negócio para estas actuações de stand-up - em que o humorista faz um monólogo de meia hora ou uma hora - estava há muito instituído: a actuação era gravada por um canal de cabo (como a HBO) e depois emitida exclusivamente no canal. Com a venda online, em menos de duas semanas, CK ganhou mais de um milhão de dólares (759 mil euros). Rapidamente foi imitado por outros comediantes.

A decisão de vender directamente a gravação da actuação foi o último passo no que se pode chamar a estratégia de autonomia de C.K. e que terá começado em 2010 quando assinou contrato com o canal de cabo FX para criar a série Louie, cuja quarta temporada foi adiada para 2013 porque C.K. precisa de tempo para escrever material novo (até o anúncio do adiamento da quarta temporada foi analisado à exaustão).

Na altura, C.K. assinou aquilo que ficou conhecido por Louie deal: um acordo em que recebia muito menos do que era habitual um criador receber, mas que em troca lhe dava controlo total do material. Mas, apesar de receber menos, C.K. acaba por ganhar dinheiro porque realiza, monta, escreve e interpreta Louie.

A aposta foi ganha: C.K. recebeu dois Emmys, um pela escrita de Louie e outro pela escrita de Louis CK Live at the Beacon Theatre - o mesmo que vendeu directamente no seu site.

Esse foi o momento de legitimação mainstream, o momento em que C.K. se tornou oficialmente no novo rei do humor americano - um facto extremamente improvável se tivermos em conta que meia dúzia de anos antes ninguém fazia ideia de quem ele era.

Pelo que se impõem algumas perguntas. Quem é este homem? Porque é que ele é a consciência (de uma parte) da América? E como é que um desconhecido consegue tanto respeito e poder em tão pouco tempo?

Em Louie, C.K. faz de Louie, um comediante recentemente divorciado, pai de duas filhas, que lida com a sua condição de comediante recentemente divorciado e pai de duas filhas, um papel que não lhe é estranho tendo em conta que na vida real C.K. é um comediante recentemente divorciado e pai de duas filhas que ganha a vida a fazer espectáculos de stand-up comedy que abordam a sua condição de comediante recentemente divorciado e pai de duas filhas.

Nem sempre a obra de um homem é a melhor forma de o conhecer, mas com C.K. passa-se exactamente isso: a única diferença é que na série ele actua em bares e não em teatros esgotados; na série ele é um comediante banal e não uma estrela.

Louie está pejada de cinismo, embora não seja difícil empatizar com o protagonista; não procura alcançar o cidadão médio; é extremamente pessoal, como a fina barreira entre a vida de Louis C.K., o humorista, e a de Louie, o protagonista, o demonstra; e a insegurança e dramas de Louie soam verdadeiros.

A série parece ter tocado num nervo de um certo tipo de americanos - inteligentes mas não propriamente literatos; subversivos mas de classe média trabalhadora - e, ao fim da terceira temporada, C.K. estava a ser chamado "a consciência suja da América", uma asserção que até alguns dos seus maiores defensores têm dificuldade em sustentar. O jornalista americano Leo Benedictus reconhece que, "como os melhores comediantes, ele encontrou forma de dizer coisas que a maior parte das pessoas está mortinha por admitir". Mas, garante à revista 2, "muitos americanos desprezá-lo-iam se dessem com o programa dele".

Amanda Holplush, jornalista americana que escreve para o Guardian, diz-nos: "A maior parte das pessoas que eu conheço que gosta da série é nova-iorquina, porque o humor dele tem uma sensibilidade semelhante, que é o cinismo. Mas é certo que apela a outras pessoas pelo país fora, pessoas que lidam com problemas mundanos."

E Emily Nussbaum, que fez um artigo sobre ele para a revista New Yorker, vê-o como "parte de uma tradição americana que remonta a Lenny Bruce: o comediante como o contador de verdades profano". Talvez por isso lhe tenha chamado "o santo moderno".

Como é que um homem pode em simultâneo lidar com problemas mundanos e ser um contador de verdades profano?

A resposta encontra-se tanto em Louie como nas actuações de stand-up de C.K.

Um episódio típico de Louie abre com um momento de stand-up, dedicado à difícil tarefa de ser pai. Este é o seu grande assunto, o que o distingue de todos os humoristas americanos: a franqueza com que aborda o casamento e a paternidade. Num dos monólogos de abertura da primeira temporada da série, ele diz: "A parte mais difícil de estar com os filhos é estar com os filhos." Tem muito mais graça visto que lido, porque este tipo de piadas depende imenso do arsenal de gestos e trejeitos de quem as diz, mas a moral poderá ser resumida assim: cada vez que Louie está com as filhas, não há lugar a grandes vagas de prazer porque ele está, simplesmente, a tentar aguentar.

Não é muito comum termos uma série dedicada a analisar os problemas e inseguranças de um pai separado, que partilha a custódia dos filhos e tenta ser funcional. Qualquer pessoa que tenha crianças consegue rever-se na personagem de Louie, e não é por acaso que tantas mulheres escreveram sobre a série - elas conhecem a empreitada por que o protagonista passa. Mas quem não tem crianças consegue relacionar-se com Louie, porque as crianças são só uma parte do âmago da série, que, em última instância, é sobre as inseguranças, a vergonha e a culpa de um homem que tenta fazer o que está correcto - para acabar sempre com a sensação de estar a fazer tudo mal.

Num episódio, Louie vai a casa de um vizinho porque percebe que este está a fumar erva e quer que ele o faça de janela aberta, para não incomodar as filhas que hão-de vir mais dia menos dia; mas acaba a fumar erva com ele.

Noutro, ele está numa reunião de pais na escola das filhas; a dada altura diz que é a primeira vez que vai a uma reunião daquelas e explica que é separado; as pessoas ficam comovidas por ver um pai numa reunião de pais. Uma mulher diz que também é separada e também é a primeira vez que vai a uma reunião de pais e os outros pais olham-na de lado. A moral é óbvia: o que se espera de um homem em termos de paternidade é muito menos do que o que se espera de uma mulher. E é aqui que entra a consciência moral.

Podemos dizer que certos humoristas põem o dedo na ferida; C.K. põe o dedo em fraldas e não gosta do que cheira. Às vezes, põe a mão inteira, não em fraldas, mas em si próprio - e não gosta do que acontece. Numa piada de um dos seus espectáculos de stand-up (que foi o seu ganha-pão durante anos e anos) diz: "Um tipo consegue medir quão má pessoa é pelo tempo que esperou para se masturbar depois do 11 de Setembro." E atira a punch-line: "Para mim, foi entre a queda das duas torres."

Tanto em Louie como nos espectáculos de stand-up de C.K., há uma dimensão mundana. E é possivelmente com isto que as pessoas se identificam: com as piadas sobre o quão deprimente o sexo marital se torna, sobre o quão degradante é comer até o corpo se deformar, sobre quão insuportáveis podem ser as criancinhas.

Uma das suas rábulas habituais de palco anda à volta de comida. C.K. diz: "Para a maior parte das pessoas, a refeição acaba quando se está cheio", começa. "Já tenho todos os nutrientes de que preciso, vou ficar por aqui", continua, imitando o monólogo interior de um ser humano convencional e sensato. "Mas, para mim, a refeição só acaba quando começo a sentir ódio por mim próprio."

No centro do humor de C.K. está sempre a auto-imagem: os falhanços da carreira, os falhanços amorosos, os falhanços do corpo à medida que a idade avança. Não há uma piada que não orbite ao redor da ideia de controlo que um homem de classe média tem sobre a sua vida: um tipo não controla a felicidade do seu casamento, esforça-se para controlar os ímpetos homicidas que tem para com os filhos, compensa a insatifisfação nas várias áreas da sua vida comendo de mais, etc. A sua grande arte reside em partir de uma situação banal para proclamar o que por norma ninguém tem coragem de dizer - só que, por mais zangado que soe, consegue ser empático, mesmo quando vai ao limite. E o limite, num espectáculo de stand-up, pode ser imaginar masturbar-se para cima de um cadáver ou dizer que uma mulher só é mulher quando os seus sonhos foram espezinhados pelos filhos. Isto é: o limite é largo.

Mas nem sempre foi assim. Até há meia dúzia de anos, C.K. não tinha nem a capacidade de ir aos extremos da consciência humana nem a capacidade de criar empatia com o público. Na realidade, até há meia dúzia de anos, C.K., que nasceu em 1967, era um desconhecido.

Como é que se tornou num dos mais importantes comediantes americanos?

"O Louis pode estar finalmente a conseguir atingir o sucesso mainstream, mas há muitos anos que ele é um dos comediantes mais respeitados, pelo menos entre os seus pares - e os seus fãs são acérrimos", diz Brian Stack à revista 2.

Stack é um humorista que os portugueses conhecem mesmo que não reconheçam. No talk-show de Conan O"Brien ele desempenha - entre outras - a personagem do Interruptor, um sujeito estranho, de cabelos compridos e bigode afilado, que interrompe os monólogos de O"Brien acabando por fazer revelações pessoais embaraçosas. Quando em 1997 Stack entrou no programa, este já tinha encontrado o seu tipo de humor: nonsense, geek, letrado, inconsequente, javardo e autodepreciativo.

C.K. fez parte da equipa inicial do programa - a equipa que definiu a sua matriz. Pelo que Stack tem um olhar diferente sobre C.K. "Sempre acreditei que ele atingiria o mainstream. E acho que ele aprecia mais o sucesso que está a ter agora por só o ter alcançado depois dos 40."

C.K. não está sozinho no êxito tardio, diz-nos Tom Scharpling, um comediante e argumentista que trabalhou no Saturday Night Live, fez programas para a Comedy Central (o canal responsável pelo Daily Show de Jon Stewart): "Já há uma história de comediantes que só alcançam a sua verdadeira voz depois dos 30 ou dos 40." O humorista lembra nomes como Larry David, criador de Seinfeld, e Steve Carell - e está em crer que no caso de C.K., como nos restantes, o inêxito contribuiu para o êxito.

"Acho que ao trabalhar numa variedade de empregos o Louis acumulou uma série de experiências diferentes que agora está combinar no seu programa", afirma Scharpling. "A liberdade que o Louis tem [em Louie] permite-lhe apresentar uma versão de si mesmo que não é demasiado polida, que não é diluída", diz, garantindo que essa liberdade é uma parte do seu sucesso.

E de facto, antes de escrever, montar e realizar na série, C.K. fez tudo isso em trabalhos que não lhe trouxeram grande sucesso.

Quando começou, Louis ainda não se chamava C.K. - o seu nome de família é Székely, sendo que as iniciais C.K. se referem às primeiras sílabas do nome de família. Aos 18 anos tornou-se mecânico para ajudar a mãe nas contas - os pais separaram-se quando ele tinha 10 anos e a mãe tinha quatro filhos para cuidar.

Esta descrição quase insinua que C.K. é "white-trash", mas o pai Székely era economista, a mãe engenheira e isto explica em parte por que razão ele demorou tanto tempo a chegar a todos os americanos: apesar de não ter licenciatura, C.K. é demasiado educado.

A primeira tentativa de fazer stand-up surgiu em 1984, mas foi tão atroz que C.K. passou os dois anos seguintes a trabalhar com carros. Com o tempo, ganhou reputação de palco e em 1989 mudou-se para Nova Iorque. Quando começou a escrever para Conan O"Brien (em 1993), tinha 26 anos mas já levava sete anos de trabalho.

A sua carreira de argumentista de humor não é desprezável, incluindo passagens pelo Dana Carvey Show e pelo Chris Rock Show.

Ao contrário, a sua carreira como argumentista de filmes levou sempre porrada: Pootie Tang, que escreveu e realizou, foi destruído pela crítica. Tomorrow Night (que também escreveu e dirigiu) passou sem deixar rasto. Das suas curtas não reza a história e o mesmo pode dizer-se dos argumentos que escreveu com Chris Rock, Down to Earth e I Think I Love My Wife.

Scharpling acredita que o insucesso o fez "olhar-se no espelho e perceber o que não devia fazer. E o que restou foi o que ele deu ao mundo".

Brian Stack também crê que os insucessos acabaram por ajudar C.K.: "Eu acho que o que ele aprendeu com desapontamentos como Pootie Tang foi que sem completo controlo criativo o trabalho está sujeito a interferências de todo o tipo de pessoas, muitas das quais não sabem nada de comédia."

Para Stack, C.K. aprendeu "ao longo dos anos a confiar no seu instinto. Ele disse muitas vezes que foi apenas quando começou a ser honesto que encontrou a sua verdadeira voz".

Louis C.K. terá encontrado a sua voz - ou começado a ser honesto - em 2005, quando fez o HBO Special One Night Stand. Em comédia, "special" entende-se por um stand-up (por norma num teatro) gravado especialmente para um canal de tv, neste caso a HBO. O espectáculo começa com C.K. a agradecer às pessoas por estarem ali, por terem saído de casa. Depois nota: "Alguns de vós terão filhos - e não os amam, por isso é que estão aqui."

Em dois minutos está a falar da noção de inferno e pergunta-se a si próprio: "Será que nos põem numa sala e um monstro qualquer nos vai ao cu durante milhares de anos?" C.K. imagina-se a praticar sexo oral num demónio enquanto pensa nas mentiras que o levaram ao inferno - não é propriamente fácil explicar o que está a passar-se aqui, mas digamos: é um gozo à dificuldade que os homens têm em lidar com a sua sexualidade. O inferno, para o homem de classe média, é praticar felações.

Mas, acabada a rábula, C.K. diz: "Mas para ir para o inferno é preciso morrer e eu não quero morrer... Eu gosto da minha vida, sou casado e amo muito a minha mulher. A minha mulher odeia-me... é o que ela faz." E a partir daqui é toda uma exploração dos milhares de situações em que um homem e uma mulher andam à cabeçada.

O que aqui temos é uma coisa rara: um humorista que dá a deixa (ao fazer a piada sobre o público sair de casa porque não ama os filhos) e leva a sua audiência aos lugares mais inenarráveis (sodomia e felações no inferno) até a depositar numa situação doméstica em que todos se podem rever: esposa odeia marido, sendo que esta é a situação que verdadeiramente lhe interessa, este é o verdadeiro inferno - a vida doméstica.

Como, pergunta-se, como é que ele se safou com isto? Como é que se safou com as piadas sobre masturbação (omnipresente, porque um homem casado tem mais prazer a ter sexo consigo que com a esposa), sobre a esposa que nunca se cala e quando se queixa queixa-se de tanta coisa que ele não consegue perceber o que ela está a dizer, sobre a filha que é a fucking asshole (algo como "grande parvalhona") e não o deixa ter sexo com a mulher. Como é que ele se safou com isto?

"Um exemplo de uma piada no fio da navalha que funciona apesar de ser excessiva", diz Brian Stack, é exactamente este momento de One Night Stand, em que C.K. chama asshole à filha mais velha: "De certa forma é chocante ouvir isso, mas resulta porque ele prepara bem o insulto, torna a piada aceitável porque vai ressalvando muito bem as asneiras que a filha faz - e é óbvio que ele a ama e isso passa para o público."

Nussbaum lembra que a maior parte dos comediantes de vanguarda usaram "este tipo de material": gente como "Lenny Bruce, Andy Kaufman", menciona, citando, propositadamente ou não, os dois maiores comediantes americanos de sempre. E está certa: o humor americano vai muito mais longe do que, imaginemos, o humor português. "Mas ele combina isso com inteligência profunda, empatia moral e uma criatividade verbal selvagem", acrescenta Nassbaum.

A empatia será isto (e mantemo-nos em One Night Stand): C.K. está a contar uma rábula em que a filha joga às escondidas com os pais. Como todos os miúdos, esconder-se, para a filha, é encostar-se à parede. Os pais têm de fazer de conta que estão à procura da filha; a mulher de C.K. diz-lhe para procurar no armário dos lençóis; ele abre o armário e ela grita: "Esse não é o armário dos lençóis." E acaba tudo em discussão. A empatia está em perceber que toda a gente passou por isto.

"Uma das coisas que eu gosto no Louis C.K.", diz Scharpling, "é como ele parte de uma premissa [moralmente] inaceitável e carrega o peso todo e leva a audiência a um ponto que à partida é inaceitável... [Isso] demonstra o talento dele".

Um exemplo seria a sequência da rábula acima, que termina com C.K. a lembrar-se de quando era miúdo e os pais o mandaram para um campo de férias que descobriram na lista telefónica - só que era um campo de férias para meninos com atrasos mentais. Novamente, a empatia: C.K. está a empatizar com todas as famílias disfuncionais, exagerando uma premissa inaceitável.

One Night Stand foi um momento importante para C.K. porque foi quando ele começou a chegar a algo só seu - e que constitui a matriz de Louie: centrado na família, no sentimento de falhanço que todos carregam, na imagem física que cada um tem de si, nas dificuldades sexuais. C.K. disse que a ideiaveio de estudar a carreira de George Carlin, que todos os anos escrevia material novo e, quando achava que esse material já estava gasto, deitava-o fora. Uma condição essencial era o material ser honesto - pelo que C.K. fez o mesmo e desatou a escrever sobre o que sabia: a família e a imagem clássica do homem branco de classe média.

No dia em que falámos com Brian Stack, ele pôs na sua página do Facebook um vídeo de Why?, a rábula com que C.K. acaba One Night Stand: uma cena doméstica em que a filha pergunta coisas ao pai ("Porque é que chove?", é a primeira pergunta), até acabar no mais insano delírio (procurem: basta fazer "Louis CK" + "Why").

O primeiro vídeo que surge foi visto "só" 600 mil vezes. E dizemos "só" porque há mais vídeos da mesma actuação. Um vídeo da primeira parte de Shameless, outro Special que ele fez, foi visto milhão e meio de vezes.

A conclusão é que a Net virou a vida de C.K. do avesso. "O YouTube teve mais impacto na carreira dele que qualquer outra coisa. Permitiu que toda a gente conhecesse o trabalho dele. Antes tinhas de estar na mesma sala que o comediante - agora toda a gente tem acesso.", diz Amanda Holplush.

Em 2007, C.K. escreveu e protagonizou pela primeira vez uma série, Lucky Louie, que a imprensa amava. O universo - a disfunção familiar - já estava definido: C.K. e a mulher discutem acerca de ter outro filho; ela quer mais, ele não; a cena acaba com ela a dizer-lhe: "Esse esperma é meu." Mas a série foi cancelada e C.K. jurou que se voltasse à TV seria à sua maneira.

Depois de Lucky Louie, C.K. voltou à estrada e fez três especiais: Shameless (2007), Chewed Up (2008) e, em 2011, quando já era uma estrela, o revolucionário Live at The Beacon Center. Talvez ele tenha tido sorte com o momento, porque, segundo Brian Stack, "desde que Obama se tornou Presidente, é tão difícil fazer piadas com ele [Obama]", que o humor se voltou para questões mais domésticas.

Pelo que, quando C.K. voltou à televisão, com Louie, nos seus termos, o mundo estava preparado para ele - e para a sua incessante demanda de desocultação da verdade.

Louie, a série, é "mais honesta acerca das inseguranças e falhas" que a maior parte das séries, diz Stack. E C.K. "está disposto a expor-se e mostrar-se vulnerável com a sua honestidade".

Curiosamente, essa é a palavra que todos repetem: honestidade. Acima de tudo, as pessoas olham para C.K. e vêem um sujeito honesto, trabalhador e que, diga o que disser, ama as filhas. E isso na América merece respeito.

C.K. pode não ser a consciência suja da América - mas é a consciência de uma parte da América. E sabe que cheira a fraldas.

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