(1917-2008) Edward Lorenz O pai do efeito borboleta

Era meteorologista, mas revolucionou todas as áreas da ciência, da biologia
à economia passando pela física. Descobriu acidentalmente o efeito borboleta
e, como era genial, percebeu que tinha vislumbrado algo de fundamental

a "Em criança, gostava de fazer coisas com números e as mudanças meteorológicas fascinavam-me", escreveu Edward Lorenz numa curta autobiografia. Décadas mais tarde, essas suas duas grandes paixões - a matemática e a meteorologia - juntar-se-iam para mudar para sempre a maneira como os cientistas encaram os fenómenos naturais. Edward Lorenz morreu anteontem, aos 90 anos, de cancro, na sua casa em Cambridge, perto de Boston - e do MIT, onde era professor emérito e onde, nos anos 1960, descobrira o hoje famoso "efeito borboleta", que deu origem à não menos célebre "teoria do caos". O efeito borboleta diz que existem sistemas naturais cuja evolução nada tem a ver com o acaso - pois pode ser descrita com fórmulas matemáticas perfeitamente "deterministas" e até relativamente simples -, mas que, apesar disso, são totalmente imprevisíveis. São tão sensíveis às condições em que se desenrolam que, partindo de condições iniciais quase idênticas, podem evoluir para desfechos totalmente díspares. O estado do tempo é um deles, porque a atmosfera é um sistema cujo comportamento é extremamente sensível à temperatura, humidade, etc., a cada instante - em suma, ao mero bater das asas de uma borboleta. Os cientistas falam então em "caos determinístico", juntando assim duas noções que até Lorenz eram tão incompatíveis como a ordem e a desordem.
A ideia de um "efeito borboleta" já era, na altura, tema de ficção científica. Num conto de 1952, A Sound of Thunder, Ray Bradbury imagina como a morte de uma borboleta pré-histórica, quando de uma viagem temporal de uma equipa de caçadores de dinossauros, altera, milhões de anos mais tarde, a língua inglesa, as pessoas e até os resultados de uma eleição presidencial. E numa novela de Roger Stewart, Storm, com que Lorenz foi presenteado pela irmã quando decidiu estudar meteorologia, alguém lembra que o espirro de um homem na China poderia provocar uma tempestade de neve em Nova Iorque. O efeito borboleta pairava no ar, mas ninguém o tinha visto.
O impacto do trabalho de Lorenz não se limitaria à meteorologia; desde então, a sua descoberta tocou praticamente todas as áreas das ciências exactas e sociais - e até o estudo dos mercados bolsistas (ver caixa). "Ao mostrar que certos sistemas determinísticos apresentam limites formais de previsibilidade, Ed pregou o último prego no caixão do universo cartesiano e fomentou [a teoria do caos], que alguns chamam a terceira revolução científica do século XX, a seguir à relatividade e à física quântica", diz Kerry Emanuel, especialista de ciências da atmosfera, num comunicado emitido ontem pelo MIT. Curioso, portanto, que apesar de ter recebido grandes prémios científicos, como o Crafoord ou o Kyoto, Lorenz nunca tenha tido um Nobel.
Nascido no Connecticut em 1917, Lorenz estudou primeiro matemática no Dartmouth College e em Harvard, e em 1948 doutorou-se em meteorologia no MIT. E, no início dos anos 60, decidiu dedicar-se a tentar fazer a previsão do tempo com a ajuda de computadores. Foi durante o Inverno de 1961, quando Lorenz estava a fazer simulações meteorológicas utilizando um modelo matemático simples para simular a atmosfera terrestre, que aconteceu algo que, não fosse ele genial, lhe poderia ter passado totalmente despercebido.
Cálculos errados?
Um dia, como conta o norte-americano James Gleick no seu best-seller Caos (Gradiva), Lorenz quis repetir uma dessas simulações durante mais tempo. Mas em vez de reutilizar os dados iniciais de primeira simulação, utilizou sem querer dados ligeiramente arredondados, porque o computador, que manipulava números com seis casas decimais, imprimia-os com apenas três - e Lorenz, ao reintroduzir os dados para repetir a simulação, utilizou os que tinha no "print" do computador em vez dos dados originais. Só que os resultados da segunda simulação foram totalmente diferentes dos da primeira.
A primeira reacção de Lorenz foi que o computador tinha uma avaria qualquer. Mas rapidamente percebeu o que tinha acontecido: tudo se devia ao facto de ele ter alterado as "condições iniciais" da simulação. O responsável pela enorme divergência dos resultados finais da primeira e da segunda simulação a partir de uma discrepância numérica mínima (inferior a 0,1 por cento) não se devia a um erro técnico. Era algo de inerente aos fenómenos meteorológicos.
Lorenz publicou, em 1963, um artigo no Journal of the Atmospheric Sciences que é hoje considerado um clássico. Nele, concluía que "a previsão [meteorológica] a longo prazo é impossível seja qual for o método, a menos que as condições actuais sejam exactamente conhecidas", acrescentando que, "visto que as observações meteorológicas são inevitavelmente imprecisas e incompletas, a previsão precisa a muito longo prazo não existe".
Nesse mesmo ano, Lorenz deu uma conferência na Academia das Ciências de Nova Iorque sobre a sua descoberta. E não falou de borboletas mas de... gaivotas. Disse o seguinte: "um meteorologista fez notar que se a teoria estiver correcta, o bater das asas de uma gaivota poderia mudar o curso da meteorologia para sempre."
O seu trabalho seria porém ignorado durante ainda uma década. E pode-se dizer que Lorenz quase deve a consagração do seu trabalho... a uma borboleta.
Foi em Dezembro de 1972, quando do congresso anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (a AAAS, que publica a Science), em Washington, DC. "Antes da conferência de Washington", explica o próprio Lorenz no seu livro The Essence of Chaos, de 1993, "eu tinha por vezes usado as gaivotas como símbolo da sensibilidade [às condições iniciais]. A passagem para a borboleta deveu-se na verdade ao moderador da sessão, o meteorologista Philip Merilees, que não conseguiu entrar em contacto comigo quando precisou de apresentar os títulos das conferências". Como a palestra de Lorenz não tinha título, Merilees decidiu escolher Pode o bater das asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas?. A borboleta fez o que a gaivota não tinha conseguido. O resto é história.

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