Em 15 anos, a Fox News mudou a TV

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O candidato republicano à corrida presidencial Newt Gingrich foi um dos colaboradores da Fox News dr

O canal de Rupert Murdoch está presente em mais de 70 países, Portugal incluído, e é hoje uma influente formadora de opiniões - principalmente nos Estados Unidos. Parte integrante da cultura popular pela sua estridência e apresentadores carismáticos, a Fox News é incontornável. E isso é bom e mau.

Numa noite de Setembro, Roger Ailes estava perante uma multidão de funcionários da Fox News reunidos nos Chelsea Piers, em Manhattan, para uma festa que assinalava o 15.º aniversário do canal. "O nosso horário nobre é simplesmente imbatível", disse-lhes.

"A nossa concorrência, colectivamente, mudou o seu alinhamento do horário nobre durante estes 15 anos", prosseguiu. "Fizemo-lo algumas vezes. Eles, colectivamente, mudaram-no 63 vezes. Programas, estrelas - quer dizer, é triste, sabem? Telefonei-lhes para lhes pedir que se mudassem todos para o segundo andar, fosse onde fosse que estivessem a trabalhar. Porque quando saltarem [das janelas, aludindo a suicídio], não quero que se magoem."

Ailes, presidente da Fox News, não é um homem que tenha vergonha de se vangloriar. E, apesar de talvez ser dado à hipérbole, o seu orgulho tem razão de ser: a Fox News surgiu do nada e bateu a CNN, a sua rival nas notícias da TV por subscrição, depois de apenas cinco anos de existência. No terceiro trimestre de 2011, teve uma média de 1,9 milhões de espectadores por noite nos EUA, mais do que a CNN e a MSNBC juntas. Ultrapassa a concorrência no que toca a receitas e lucro. É presença regular entre os cinco mais vistos da TV por subscrição no horário nobre americano, enquanto que a CNN e a MSNBC muitas vezes não conseguem chegar ao top 20. E, nas palavras de Ailes, "mudou para sempre o rosto do jornalismo."

Se isso é bom - para o jornalismo ou para o público - é algo discutível.

"Engulam as vossas palavras"

Ao longo de oito anos, Brit Hume foi o correspondente da ABC News na Casa Branca, até que soube, em 1996, que Rupert Murdoch estava a planear um canal de cabo de 24 horas de notícias. Tinha ouvido dizer que Ailes seria o líder do projecto. Ailes tinha começado a trabalhar em produção televisiva aos 25 anos, antes de se tornar conselheiro dos presidentes Richard Nixon, Ronald Reagan e George H.W. Bush e, no final de contas, de se tornar presidente do canal CNBC. "OK...", lembra-se Hume de pensar. "Provavelmente isto tem futuro."

Durante um jantar no Hotel Four Seasons em Georgetown, Ailes fez a sua proposta. "As notícias, tal como estão a ser apresentadas por todos os maiores canais noticiosos, não são equilibradas", evoca Hume, citando Ailes. "E havia uma série de oportunidades de fazer as histórias de uma maneira diferente - uma forma legitimamente diferente, e de fazer notícias nos quais outros canais não estivessem interessados. E ele também acreditava que só era ouvido um número insuficiente de vozes conservadoras - eram muito poucas nos maiores canais."

Hume, claro, era funcionário de um desses grandes canais. "E tinha-me tornado mais conservador na minha perspectiva e conseguia ver isso, claro como água", disse. A sua mulher, Kim, foi contratada como chefe do gabinete de Washington da Fox e ajudou a preparar o lançamento do canal a 7 de Outubro de 1996. Em Dezembro, quando o contrato de Hume com a ABC chegou ao fim, ele juntou-se-lhe como editor executivo.

Desde então, a Fox tornou-se uma força bem real na cultura e política americanas. Alterou o diálogo nacional com as suas diferentes sensibilidades e deu uma plataforma aos conservadores. Tornou-se a fonte de grande igualdade ou grande mal, dependendo da perspectiva de cada um.

Os veteranos da Fox News [disponível em Portugal nos operadores Meo, Clix e AR Telecom] falam sobre os dias iniciais do canal com uma nostalgia sonhadora e caracterizam-nos como uma experiência David-contra-Golias. Apesar de Murdoch ter gasto dezenas de milhões para lançar o canal, os trabalhadores da Fox lembram-se de ter equipas de duas pessoas quando os outros canais pareciam ter uma dúzia de pessoas por equipa. Trabalhavam com uma mentalidade do tipo "tenta isto" e faziam-no com a noção de um facto protector, ainda que frustrante: na verdade, ninguém estava a vê-los.

Murdoch estava a pagar aos operadores de televisão por cabo para que integrassem a Fox News nos seus pacotes, mas muitos mercados declinavam o negócio. "No início era estranho, porque ninguém podia ver o que estávamos a fazer", diz Jay Wallace, que começou no canal como um produtor de 25 anos e que hoje é o vice-presidente para a área de notícias.

Os funcionários da Fox apontam a cobertura de vários acontecimentos que retiraram o canal da obscuridade. Talvez tenha sido o escândalo Monica Lewinsky, a recontagem de votos na Florida nas eleições presidenciais de 2000, o 11 de Setembro ou o Furacão Katrina. No 10.º aniversário do canal, os seus executivos fizeram uma montagem em vídeo de citações de críticos precoces que tinham negado as suas hipóteses de sucesso. A mensagem nada subtil dessa montagem? "Engulam as vossas palavras, sim?"

Impossíveis de ignorar

Entre as coisas que distinguiam o canal estava a crença subjacente de que as notícias tinham de ser também entretenimento. Mesmo os críticos mais acutilantes de Ailes concordam que as suas capacidades como produtor televisivo são incomparáveis. Tornou o grafismo mais vistoso, os títulos de cada rubrica mais cativantes e aumentou o ritmo para que acompanhasse o de um público que faz várias coisas ao mesmo tempo.

Ailes teve olho clínico para descobrir talentos, contratando Sean Hannity, Bill O"Reilly, Shepard Smith e Greta Van Susteren. E pressionou a sua nova equipa para que alterassem o papel do jornalista que está em directo no ar. "O repórter e o apresentador tornaram-se personalidades", diz Tom Goldstein, director de Estudos de Média na Berkeley Graduate School of Journalism. "Tornaram-se quase mais importantes do que as histórias."

Outros canais noticiosos seguiram esse modelo, adicionando espalhafato visual à sua receita - como o oráculo de rodapé que começou a mostrar depois dos ataques de 11 de Setembro [e que em nas televisão europeias era já usado há alguns anos]. Também deram mais margem aos jornalistas para mostrar emoção, embora nunca com o grau que era comum na Fox. Por vezes, explica o apresentador veterano Shepard Smith, a sua equipa trabalhava numa reportagem durante meses e ele "faria o que fosse preciso para que os espectadores a vissem... Faremos tudo o que não seja alterar a verdade".

Os críticos da estação argumentam que isso inclui sensacionalismo, promoção do medo e partidarismo. "A Fox News, na sua essência, tornou-se uma espécie de estação de rádio falada de direita, mas com imagens", argumenta Steven Livingston, professor de Média na George Washington University.

Mas apesar dos que deploram a estação, não há discussão sobre se a sua abordagem atraiu um grande e leal grupo de espectadores. "Eles ofereceram uma fonte de notícias para muita gente que estava descontente com as suas opções até então", afirma Jeffrey McCall, professor de Comunicação na DePauw University. Agora, "se alguém quiser concorrer a um cargo político ou se tiver alterações de políticas que queira fazer, em alguma altura tem de se dirigir ao público que vê a Fox. Eles puseram-se numa posição em que já não podem ser ignorados."

O maior distanciamento da Fox em relação aos seus concorrentes foi a sua orientação política. A estação programou sobretudo notícias durante o dia e conversas com opinião no horário nobre. Enquanto contratou alguns Democratas, como Joe Trippi e Evan Bayh, abasteceu as suas fileiras de comentadores editoriais com figuras de proa e candidatos do aparelho Republicano.

Antes das eleições presidenciais de 2008, por exemplo, a Fox News contratou o conselheiro político de George W. Bush, Karl Rove, como analista. E tem rodado colaboradores que se esperava que fossem candidatos presidenciais Republicanos em 2012, como Mike Huckabee, Rick Santorum, Newt Gingrich e Sarah Palin.

Os responsáveis da Fox dizem que estas contratações são apenas olho para o negócio. Ailes disse recentemente à Associated Press que contratou Palin "porque ela é gira e garante audiências". A Fox indicou que Ailes não estava disponível para ser ouvido para este artigo.

A inclinação conservadora da programação de opinião da Fox teve efeitos na paisagem noticiosa: ao cobiçar o sucesso de audiências da Fox com essa fórmula, a MSNBC acabou por a partilhar, tornando-se o que caracteriza como uma estação "progressista". E com o tempo, as audiências do horário nobre da MSNBC aumentaram e ultrapassaram as da CNN, que diz ter uma abordagem mais ao centro.

Livingston considera que é preciso recuar até à crise conservadora após o escândalo Watergate para perceber o sucesso da Fox News. Ao identificar o que causou a queda de Richard Nixon, os líderes conservadores apontaram o dedo aos média, aos think tanks e a outras instituições políticas influentes. Decidiram que a resposta era criar instituições alternativas, como a Heritage Foundation, e firmar um bastião na rádio falada e de conversa, explica Livingston.

A Fox News "responde àquela necessidade de enquadrar o debate político e cultural na América numa perspectiva culturalmente conservadora", diz.

Entre as suas fontes de orgulho - que são a maior irritação dos seus críticos - está a escolha de notícias da estação. A Fox News foca-se deliberadamente em ângulos diferentes daqueles que os seus concorrentes persegue. Hume recorda a cobertura dada a um caso de violação na Universidade de Duke, no qual a Fox estava céptica em relação às afirmações da alegada vítima. No fim de contas, as queixas contra os jogadores de lacrosse acusados pela jovem foram abandonadas.

"Eles estão a falar de coisas que de outra forma nunca teriam tempo de antena", constata Brent Baker, vice-presidente do Media Research Center (conservador). Baker lembra a controvérsia que envolveu Van Jones, um conselheiro da Casa Branca de Obama que acabou por ser forçado a demitir-se por causa da sua ligação passada a um grupo de raízes marxistas e por ter assinado uma petição que questionava se a administração Bush estaria por trás dos atentados de 11 de Setembro.

Outras notícias da Fox News foram menos defensáveis. Entre elas está o cepticismo sobre se o Presidente Barack Obama nascera nos Estados Unidos, que em Abril resultou na divulgação pela Casa Branca da sua certidão de nascimento. A estação também foi criticada pelo uso frequente da expressão "painéis da morte" por parte dos seus comentadores quando debatiam a versão de Obama da proposta de reforma do sistema de saúde, que incluía aconselhamento voluntário sobre eutanásia.

Opinião ou jornalismo parcial?

Para Robert Greenwald, director liberal de um documentário altamente crítico da Fox News lançado em 2004, Outfoxed: Rupert Murdoch"s War on Journalism, o problema não é só o que a estação cobre. "O mais importante são as histórias que não cobrem. Ao longo dos anos, tudo o que seja contra a imagem preferencial conservadora não seria coberto." Por exemplo? "As consequências da Guerra do Iraque."

Ao longo de entrevistas telefónicas, Smith e os outros pivôs Bret Baier e Megyn Kelly, disseram que não abordam as notícias de uma perspectiva conservadora. "Chegamos à reunião da manhã todas as manhãs e determinamos o que é notícias - o que está a obter atenção e o que não está e devia tê-la", diz Baier. "Tentamos mesmo ser equilibrados."

"As pessoas gostam de rotular o que é vir de um ponto de vista diferente como conservador", disse Wallace, vice-presidente para as notícias. "Mas não penso que haja nada de errado em perguntar as coisas que não estão a ser questionadas por outras pessoas. Isso não o torna necessariamente conservador."

Há uma linha distinta entre as notícias e os programas de opinião do canal, dizem os responsáveis da Fox. "Sean Hannity é, sem dúvida, um comentador de direita, e eu apresento os noticiários", explica o pivô Shepard Smith. "Eu estou só à procura dos factos".

Mas os críticos insistem que há parcialidade no jornalismo da Fox - da mesma forma como existe há muito a acusação de que a abordagem dos média mainstream às histórias dos media approach pende para a esquerda. A estação viu-se debaixo de fogo, por exemplo, depois da fuga de um memorando assinado por um dos editores da Fox em Washington em que se ditava que os jornalistas do canal acompanhassem qualquer menção das alterações climáticas com cepticismo sobre a demonstração científica da sua existência - os responsáveis da Fox declinaram a oportunidade de comentar este tema. Nas notícias, Baier referiu-se a Al Gore como um "alarmista do aquecimento global".

Hume disse que os segmentos editoriais "têm, em certa medida, mais conservadores no ar do que qualquer outro canal", mas nos segmentos noticiosos "o que se vê é muito noticiário franco feito por correspondentes bastante qualificados e pivôs que fazem segmentos de debate equilibrados".

Um estudo de 2006 feito por professores da Universidade de Berkeley e pela Universidade de Estocolmo estima que a Fox News influenciou entre 3 e 8 por cento dos seus espectadores a votar no Partido Republicano em 2000. "Os média têm mesmo um efeito forte na forma como pensamos e votamos", diz Tim Groseclose, professor de Ciência Política na Universidade da Califórnia - Los Angeles e autor do novo livro Left Turn: How Liberal Media Bias Distorts the American Mind. "Penso que a Fox de facto inclinou as pessoas, pelo menos ligeiramente, para a direita. As pessoas pensam de forma um pouco mais conservadora e penso que as nossas políticas são um pouco mais conservadoras do que seriam de outra forma, sem a Fox News."

A Fox "certamente abriu, animou e talvez até tenha trazido para o debate político pessoas que de outra forma não se teriam envolvido", diz o professor Livingston. "Esse é um elemento. O outro é "É sempre algo bom que isso seja verdade?""

Os mais mal informados

Livingston fala de um estudo de 2010 da Universidade de Maryland que concluiu que os espectadores da Fox são os mais mal informados de todos os consumidores de notícias. Esses espectadores eram mais propensos do que os não-espectadores a acreditar que os cientistas não consideram que estejam a acontecer alterações climáticas, que o resgate do sector automóvel norte-americano aconteceu apenas sob a administração Obama e que não é certo se Obama nasceu nos EUA.

Os detractores da Fox culpam muitas vezes o canal pela polarização do país. Mas Shanto Iyengar, professor de Ciência Política na Universidade de Stanford, acredita que isso faz apenas parte do efeito caixa de ressonância. "As pessoas gostam de evitar mensagens dissonantes", diz. "Se acreditamos em X, não queremos encontrar informação que não é X." Hoje, com tantas opções sobre onde ir buscar informação, os consumidores podem escolher o que querem ver.

Hume acredita que a Fox floresceu simplesmente porque ofereceu uma alternativa que as pessoas queriam ter. "O principal efeito é que quebrámos o monopólio de um certo tipo de cobertura noticiosa... penso que isso mudou, de certa forma, a atmosfera no país. É uma óptima história de sucesso empresarial. E também é, na minha opinião, uma história de sucesso jornalística." Os milhões de pessoas que vêem o canal parecem, pelo menos, concordar.

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Exclusivo Pública/The Washington Post

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