Uncharted está de regresso, tão carismático como sempre

Os fãs da Naughty Dog já estão a contar os dias até 23 de Agosto. Depois de o ter terminado, Uncharted: O Legado Perdido fará com que essa ansiedade seja recompensada.

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Serão poucos os jogadores que começam um jogo da saga Uncharted sem saber o que estão a iniciar e quem o faz espera tantas vezes o deslumbramento. Cada capítulo dos videojogos assinados pela Naughty Dog vive de peças maiores que a vida, insuflando o quotidiano com tensão e adrenalina; com entretenimento que apela ao lado aventureiro de quem segura o comando nas mãos.

Depois de publicar Uncharted 4 em 2016 e enquanto prepara a chegada do segundo tomo de The Last of Us, a produtora californiana faz chegar ao catálogo da PlayStation 4 Uncharted: O Legado Perdido, aventura descrita como uma “experiência standalone de Uncharted”. Não é um capítulo numerado da série, mas também não precisa que tenham comprado a obra anterior para ser jogado.

Um dos principais destaques de O Legado Perdido é que desta vez não jogam na pele de Nathan Drake, o habitual cicerone de serviço. Não, agora vestem a pele de Chloe Frazer, caçadora de tesouros que chegou à série em Uncharted 2. Mais: ao seu lado terão a companhia de Nadine Ross, personagem que não representou um papel muito amigável no jogo anterior, graças ao seu envolvimento com a Shoreline.

A dupla terá que recuperar a Presa de Ganesh, um artefacto que está no centro da narrativa e que ajuda a veicular a acção pelos vários capítulos da obra. A recuperação de um artefacto acaba por um acto desconstruído, ou seja, as várias camadas do argumento voltam a dar destaque às relações pessoais do elenco, à confiança e à sua traição - às intenções que nem sempre são as que inicialmente aparecem em montra.

O jogador sabe que é uma questão de tempo até estas reviravoltas começarem a levantar fervura, mas ainda assim quando as mesmas acontecem há sempre um momento de mínima surpresa. Não é uma história tão rica como a contada em The Last of Us, todavia, o ritmo denota uma confiança e uma experiência que conseguem captar a atenção, levando à instigação que só dá tréguas quando os - longos - créditos deslizam pelo ecrã.

Não é a primeira vez que a Naughty Dog dá destaque aos membros femininos nos elencos das suas obras, nem sequer é a primeira vez que entrega o papel de protagonista a uma heroína, bastando voltar a olhar para The Last of Us, onde jogámos como Ellie. Contudo, em O Legado Perdido há claramente uma declaração de intenções: Chloe e Nadine não precisam, nem querem, ajuda do cliché protagonista másculo que salva a donzela em apuros.

Durante a minha estadia com o videojogo foram vários os momentos em que os eventos pareciam levar a um desses momentos, algo que estilhaçaria por completo a independência das heroínas. Com os olhos no ecrã, o máximo que conseguimos fazer é pensar “por favor não façam isso”. E não o fizeram: as duas aventureiras arranjam e resolvem os seus próprios problemas.

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Há, contudo, um ponto que era escusado. Sem estragar a surpresa a ninguém, a segunda metade do jogo é dividida por três personagens e não por apenas por duas. Sente-se que a presença desse elemento está ali sobretudo para enaltecer essa independência, o que torna uma declaração que devia ser subtil ocasionalmente num grito. Uncharted: O Legado Perdido devia ser um videojogo liderado por duas protagonistas e isso já devia ser natural na indústria dos videojogos. Tão natural como uma obra liderada por dois protagonistas. Há muito tempo.

E é uma dupla que resulta. A equipa de argumentistas modelou personagens com carisma, sim, mas mais do que isso, personagens que têm química entre si, que partem para uma aventura grandiosa e que parecem naturais graças aos pormenores, aos micro-desenvolvimentos e às explosões de traços díspares que se encaixam sem perder a unidade. O que a Naughty Dog consegue, novamente, é capturar em videojogo a naturalidade do humano.

No seu conceito mais básico, O Legado Perdido é uma série de secções a conquistar em direcção a um confronto final com o antagonista, mas isso é a descrição mais rudimentar. Na prática, há uma mistura de elementos e uma sensação de crescendo até esse mesmo inimigo que é o último reduto das intenções mais nefastas. Quando finalmente o derrotam, no meu caso cerca de oito horas depois de ter começado o jogo, fica a aventura vivida.

Os processos de jogabilidade assentam nos princípios básicos da série, mais concretamente nos princípios de Uncharted 4. Há a componente de exploração, aqui com a produtora a abrir um pouco mais as delimitações do cenário, particularmente numa zona em que há vários caminhos possíveis e em que podemos estudar o melhor trajecto, visitando os pontos de interesse por uma ordem estabelecida por nós. Não é um mundo aberto como em Grand Theft Auto, por exemplo, mas nota-se uma ligeira mudança de ritmo, até porque há colecionáveis - tesouros e locais para tirar fotografias - que jogam com essa noção de progressão. Sejam bem-vindos à região das montanhas dos Ghats, Índia Ocidental.

Temos novamente veículos que servem para fazer estas pequenas expedições, mas sendo Uncharted é expectável que haja também muitas saliências para escalar, muitas cordas para nos fazer voar temporariamente e, claro, muitas munições que ficarão crivadas nos inimigos. São incontáveis hordas de inimigos determinados a fazer o nosso coração parar e, nós, lá estaremos, tão fortes como sempre, a dar-lhes resposta por entre carregadores, granadas, explosivos.

Será terreno familiar, então. E continuará a ser terreno familiar quando chega a hora de escrever sobre os puzzles. Não são necessariamente os mesmos presentes em iterações pretéritas, mas os princípios das suas resoluções já foram estudados antes. Recorrendo sobretudo ao ambiente, são enigmas que não farão ninguém ficar preso durante horas, bastando sobretudo a dedução lógica para continuarmos o caminho. E caso detestem mesmo - mesmo! - esta componente, a própria obra dá dicas e, se tudo falhar, oferece a resolução.

Os puzzles não querem ser um entrave à progressão, mas sim uma forma de quebrar e variar as secções anteriores, evitando que o cômputo geral da obra penda em demasia para um estilo de formato contínuo. A sua inserção na obra está feita de forma a que a variedade saia beneficiada sem afectar de forma denunciada a coesão. Não há a sensação que estão fora de sítio, que são um apêndice. Uncharted não é um jogo de puzzles - para isso têm The Witness - mas sim um jogo de aventuras com essa componente enxertada sem grandes cicatrizes.

Pessoalmente, a componente a solo sempre foi rainha em Uncharted. Porém, importa salientar que os amantes do multijogador não foram esquecidos. Os modos competitivos de Uncharted 4 estão presentes, tal como o Modo Cooperativo de Sobrevivência. Haverá também um novo Modo Arena, que chegará aos servidores públicos no dia de lançamento da obra. Como nota complementar, o vilão do jogo será também uma personagem jogável nesta componente e serão também adicionadas skins de Chloe e Nadine, entre outras. É um complemento, uma forma de prolongar a estadia do jogo na vossa atenção depois de terminada a campanha principal.

Para concluir esta reflexão sobre o que me tem ocupado a PlayStation 4 Pro nos últimos dias, é obrigatório dedicar algumas frases aos capítulos técnicos da obra. O grafismo está entre os melhores que a consola da Sony já recebeu, provando que a Naughty Dog é perita em retirar muito do hardware. O Legado Perdido tem cenários numa escala menor do que o seu antecessor, mas aqueles que oferece são regra geral uma ode ao cinematográfico.

As texturas são apresentadas com uma elevada resolução, os efeitos são dinâmicos, a modelagem das personagens ajuda a capturar o natural. Tudo isto é verdade, mas ver a sua conjugação em tempo real à frente dos olhos é sublime. É a atenção aos detalhes, a forma como a selva, as ruínas, as quedas de água, as imponentes estátuas surgem e são graficamente representadas sem lugar para deslizes.

Desde o início no mercado local até ao final, a sequência final que nos enleva na ação e no suspense, tudo parece ter sido pensado ao mais ínfimo pormenor. Foram muitos minutos passados a olhar simplesmente para o grafismo, a perceber até onde iam as animações, os tiques, as vistas que trazem os cenários um pouco para mais próximo de nós. Jogado numa PlayStation 4 Pro ligada a uma televisão 4K com HDR, é um grafismo sólido, inspirado, feito por pessoas apaixonadas e, consequentemente, apaixonante.

Tudo isto eleva as cenas de acção, as interacções entre as personagens, pois os modelos não nos relembram incansáveis vezes que é um videojogo. A sonoplastia também merece um destaque. Além da banda sonora, são as vocalizações que alimentam a sensação de inclusão. Chloe ganha vida na voz de Claudia Black, e Nadine encontra o mesmo destino em Laura Bailey, actriz com um extenso currículo na indústria. Como certamente perceberam pelo título, O Legado Perdido está localizado em Português, com as vozes a pertencerem às actrizes Ana Cloe e Rita Ruaz, Chloe e Nadine, respectivamente.

Não há aqui nada que faça a falange de jogadores que detestam a série apaixonarem-se por ela agora, mas isso é algo que dificilmente acontecerá. Quem gosta da série, da sua bela exuberância, ainda que percorra território parecido com o de Uncharted 4, encontrará a qualidade a que já estão habituados. As protagonistas são uma lufada de ar fresco que não perdia em já ter chegado, o carisma e o charme das interacções continuam os mesmos. E é isso que importa naquelas e naqueles que lideram uma história: sabê-la contar.

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