Um gato de mil milhões de dólares

A aquisição da empresa que criou o Talking Tom Cat por uma companhia chinesa sem credenciais na área tecnológica é apenas o mais recente exemplo de uma tendência asiática.

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Quanto vale um gato falante? Para uma empresa chinesa de água oxigenada, a resposta é mil milhões de dólares (898 milhões de euros). Não falamos literalmente de nenhum felino que tenha aprendido a falar, mas não é por isso que a história deixa de surpreender. No início do ano, a Zhejiang Jinke, uma companhia sem qualquer tradição na área da tecnologia (ou dos animais de estimação), resolveu passar um cheque de dez dígitos a um jovem casal da Eslovénia, Samo e Iza Login, pela Outfit7, a empresa de Ljubljana responsável pelo Talking Tom Cat – o popular gato de olhos verdes que repete o que dizemos, com uma voz de desenho animado, através de uma aplicação de telemóvel. 

Para Samo e Iza, namorados desde o liceu, foi o negócio de uma vida. Ao fim de oito anos a tentar a sorte no mercado das aplicações que a Apple de Steve Jobs inaugurou em 2008, o casal esloveno vendeu a empresa à conta do seu maior sucesso (e como é recorrente nestes casos, com um produto em que depositavam pouca esperança). Agora, e segundo conta esta semana a Bloomberg, os Login preparam-se para aplicar a sua fortuna numa fundação para a sustentabilidade e segurança alimentar. 

Se é fácil imaginar a satisfação dos eslovenos, torna-se difícil perceber a lógica que presidiu, do lado chinês, ao negócio multimilionário. O que levará uma empresa de água oxigenada a embarcar em semelhante aventura? Tal como a BBC o fez em 2016, a Bloomberg explica que a Zhejiang Jinke não está sozinha, e que são várias as companhias chinesas a irem além-fronteiras e além das suas áreas de negócio para adquirir empresas ocidentais de videojogos, aplicações móveis e entretenimento. O caso mais caricato será o de dois estúdios de videojogos, o canadiano Digital Extremes (co-autor da serie Unreal) e o britânico Splash Damage (envolvido no desenvolvimento de Quake e Doom 3), que foram comprados por um aviário chinês. Mas há também empresas de canalização, construção civil e imobiliário às compras na Europa e na América do Norte. E, claro, empresas tecnológicas como a gigante Tencent. RuneScape, Clash of Clans, League of Legends, World of Warcraft ou Candy Crush Saga são alguns jogos populares que se encontram, em parte ou na totalidade, em mãos chinesas.

O mercado justifica estes investimentos. Apesar do abrandamento da economia, a dimensão demográfica da China torna-a inevitavelmente na maior consumidora mundial de videojogos, pelo que até um produto de sucesso modesto pode render uma fortuna. Mas a principal explicação está na bolsa de Xangai. Entrar no principal índice chinês é atingir, a prazo, uma valorização em Bolsa dezenas ou centenas de vezes superior ao valor inicial (e real) da empresa. Ao mesmo tempo, as regras para conquistar e manter o lugar no índice são muito exigentes, e a apresentação obrigatória de lucros torna-se difícil perante a desaceleração da economia. Por isso, e graças à facilidade de financiamento, a compra de um estúdio de videojogos com facturações milionárias para melhorar as contas da empresa-mãe é um recurso útil e relativamente barato. 

O único obstáculo à multiplicação destes negócios são as leis chinesas de controlo de capitais, o que leva as empresas a conduzirem as aquisições através de sociedades offshore. No caso da Outfit7, o cheque entregue aos Login veio na verdade das Ilhas Virgens Britânicas.

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