“Podem pôr a Uber a pagar licenças”

Mark MacGann, o responsável pelos assuntos regulatórios da Uber na Europa, diz que a empresa está a fazer o trabalho difícil de mudar as regras. Depois disso, mais empresas vão querer entrar no mercado. Em Portugal, encontrou “boa vontade” por parte do Governo.

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MacGann gostava que os Governos e municípios se apressassem a regular a actividade da empresa Bruno Lisita

A Uber, a aplicação que permite chamar um carro com motorista, está a colocar desafios legais e a levantar a ira dos taxistas em várias cidades do mundo. Em Portugal, houve já vários protestos, encabeçados pela ANTRAL, uma associação do sector. Mark MacGann, que trabalha há um ano na empresa como responsável pelas questões de políticas públicas para a Europa, garante que a mudança das regras “está a chegar” e que, se os governos nacionais não se apressarem a fazer mudanças na regulação, acabarão por ser forçados a isso por Bruxelas.

Numa conversa com o PÚBLICO, em Lisboa, após uma conferência organizada pela Autoridade da Concorrência, MacGann traçou uma meta ambiciosa para uma empresa de alcance global, mas que ainda se considera uma startup: o objectivo último da Uber, que já se desdobra em serviços que incluem o transporte de encomendas e a entrega de comida, não é concorrer com os táxis. “Em última instância, é competir com a necessidade de as pessoas terem o seu próprio carro”.

É uma questão fundamental e que tem sido colocada muitas vezes: que tipo de empresa é a Uber?
A Comissão Europeia fez uma consulta sobre a regulação de plataformas online, e nessa consulta refere-se à Uber como uma plataforma online. Nós descrevemo-nos como uma plataforma digital. Somos uma aplicação e a nossa tecnologia é um intermediário entre pessoas que querem circular pelas cidades e as pessoas que querem usar os seus carros para fazer dinheiro. A definição legal vai chegar daqui a um ano, porque o sindicato dos taxistas em Barcelona, que é muito violento, levou a Uber a tribunal e o juiz decidiu que esta é uma questão europeia. Por isso, foi para o Tribunal Europeu de Justiça. E o tribunal vai decidir se o Uber Pop é uma plataforma digital de intermediação ou se é uma empresa de transporte [o Uber Pop não existe em Portugal; permite a proprietários partilharem o seu carro particular através da aplicação].

Mas vocês têm serviços para lá do Uber Pop e até do transporte de pessoas.
Sim. Em S. Francisco, temos o Uber Pool, em que uma pessoa pode partilhar o carro com várias outras ao mesmo tempo. Em Barcelona temos o Uber Rush [um serviço de entrega de encomendas, também existente noutras cidades]. A Uber não é a única aplicação de telemóvel para se apanhar um carro. Não é a única empresa na história a entrar num mercado monopolizado e fortemente protegido. Somos provavelmente a primeira a ter este tipo de apetite pelo risco.

Mesmo em relação aos serviços UberX ou Uber Black, onde há pessoas a trabalhar a tempo inteiro, não se vêem como uma empresa de transportes?
Nós não damos emprego a motoristas em lado nenhum do mundo. Um exemplo. O nosso negócio em Portugal é pequeno, mas tem um enorme potencial. É por isso que estamos desejosos de trabalhar com o novo Governo para modernizar a legislação. Aqui em Portugal, cerca de 70% dos carros na plataforma são de companhias que empregam os motoristas. O resto são motoristas independentes, que ganham a vida a conduzir carros. Têm licenças, pagam impostos, cobram IVA.

Parece uma empresa de franchise: dá a marca, as ferramentas e deixa as pessoas fazerem o seu negócio. É uma boa descrição?
Não lhe chamaria um franchise. Nós temos todo o controlo sobre a tecnologia. O que acontece é que licenciamos essa tecnologia. Os motoristas aqui em Portugal assinam um contrato com a Uber BV, em Amsterdão, que é a empresa através da qual operamos na Europa, e usam a nossa tecnologia para fazer negócio. São eles que fazem o contrato com o cliente. Se fazem um serviço de dez euros, oito euros ficam com eles e dão-nos dois euros pelo uso da tecnologia. Mas não lhes dizemos qual a cor do carro, nem o que têm de vestir. Temos algumas exigências ao nível do serviço ao cliente. Em Portugal, é fácil obter um táxi em qualquer ponto da cidade, mas a qualidade do serviço é bastante baixa. Há espaço para modernizar isso.

Modernizar o sector dos táxis não vos retira vantagens?
O estado do sector cria uma oportunidade: os consumidores não estão contentes. Mas desde que a Uber chegou ao mercado em muitos países, vemos que as empresas de táxis começam a subir a parada. Começam a ter aplicações, a abrir a porta ao cliente, a oferecer uma garrafa de água. A quantidade de queixas relativas aos táxis desceu. Há esta expressão em inglês: uma maré que sobe levanta todos os barcos.

Incluindo o vosso barco?
Essa pergunta pressupõe que nós estamos a querer ir atrás do mercado dos táxis. Não estamos. Desde que começámos em S. Francisco, o valor do mercado do transporte de táxis e limusines na cidade multiplicou-se. A fatia dos táxis caiu? Não. As pessoas de 20 ou 25 anos em S. Francisco não querem ter um carro. É caro, é difícil de estacionar. Se puderem premir um botão no telemóvel e ter um carro em menos de cinco minutos, é a escolha óbvia. Se tivermos um modelo regulatório que nos permita aumentar a oferta, os tempos de espera caem. Se não for mais difícil chamar um carro do que pegar nas chaves e ligar a ignição, então começaremos a competir com os automóveis particulares.

Vêem-se a médio prazo como um substituto dos automóveis particulares?
Esse é o objectivo final. A Uber e outros serviços… Aqui na Europa é diferente, é claro que temos uma grande quota de mercado, mas nos EUA há imensos concorrentes. Na China, na Índia, não somos a maior empresa. Aqui, sinto que estamos a fazer o trabalho difícil de alterar as regras. Mas posso garantir que, quando o modelo regulatório for moderno, vai haver mais concorrentes no mercado. E quantos mais melhores. Gosto de dizer isto sobretudo quanto há pessoas das autoridades de concorrência a passear aqui pelos jardins [a entrevista decorreu no hotel Pestana Palace]. Mas, em última instância, é competir com a necessidade de as pessoas terem o seu próprio carro. E, seja como for, daqui a 15 ou 20 anos teremos carros autónomos.

Ainda não existe modelo regulatório na Europa para um cenário desses?
Na Europa, há vários modelos regulatórios. Era suposto ser um só mercado, mas há regras diferentes. As pessoas esquecem-se de que fomos tão controversos em Nova Iorque ou Seattle há dois anos como somos hoje em Bruxelas, Barcelona ou Berlim. Temos dois modelos: o das pessoas que são motoristas a tempo inteiro e aquelas que querem partilhar o carro para ganhar dinheiro. As regras mudaram, esta partilha é agora regulada e legal, não apenas na América do Norte, também no México. Quando se tira a violência da equação – e isto é uma mensagem para a ANTRAL  –, quando se pára de gritar, quando se deixa de processar pessoas, pode-se ir para uma reunião com o secretário de Estado do Transportes, ou o presidente da Câmara de Lisboa, e encontrar uma solução. Consigo ver que há boa vontade no Governo cessante e na câmara de Lisboa, espero que também na do Porto, para olhar para soluções.

E que soluções são? O que é que vocês estão dispostos a pôr em cima da mesa?
Primeiro, é preciso regular no interesse do consumidor. O sector dos táxis pode manter alguns direitos e privilégios. Ninguém está a contestar o facto de os táxis serem os únicos que podem ser chamados com a mão na rua, nem de serem os únicos a usar as faixas de bus ou as praças de táxis, que são propriedade pública. É preciso um modelo regulatório que permita apanhar um carro de forma barata, rápida, em qualquer ponto das cidades. Podem pôr restrições regulatórias a empresas como a Uber. Podem pôr a Uber a pagar licenças. O acordo com a Cidade do México é que uma percentagem das nossas receitas vai para um fundo de mobilidade, que é administrado pelo município e que ajuda sobretudo os taxistas mais velhos que não querem trabalhar neste novo mundo da tecnologia. Não cabe à Uber resolver isto. Cabe ao regulador fazer propostas.

Em que fase estão as vossas conversas com as autoridades portuguesas?
Começámos a ter esta discussão perto do final da legislatura. Temos tido a sorte de, quando pedimos reuniões com o Governo, eles terem aceite. O Governo não vai tomar decisões até ter ouvido todos os lados. Sem dúvida que nos vamos sentar com o novo secretário de Estado dos Transportes, quem quer que seja. Isto tem de ser uma combinação de conversas com o Governo e com os municípios, para se tentar chegar a um consenso. Os presidentes de câmara podem ajudar a trazer as associações de táxis para a mesa de negociações. Tivemos uma conversa muito construtiva com o presidente da Câmara de Lisboa.

Está mais confiante numa abordagem regulatória ao nível das cidades do que ao nível europeu.
Gostaria muito de uma regra única. Pode acontecer daqui a dois ou três anos. Mas aconselharia os Governos a não esperarem. Porque aí vão ter de implementar um modelo que foi desenhado em Bruxelas e pode não ser o mais adequado a cada cidade. A mudança está a chegar. Vai ser feita aqui, domesticamente, ou, se isso não acontecer, será forçada. Porque não há justificação para manter um mercado fechado.

Por que é que não estão noutras cidades para além do Porto e Lisboa? Não é essencialmente disponibilizar a aplicação a motoristas? Os custos não são os mesmos estando em duas cidades ou em muitas mais?
Estamos a considerar o Algarve no próximo ano, durante dois ou três meses. Bom, se calhar mais, porque o Verão aqui em Portugal… É uma questão física, temos de ter pessoas nas cidades, de recrutar.

Quando a empresa veio para a Europa, estava à espera de ter diferentes tipos de problemas legais nos diferentes países?
Eu sou europeu, por isso teria sido capaz de antecipar isto. Quando se começa em Silicon Valley, acredita-se no que está a ser dito: uma União Europeia, um mercado, um conjunto de regras. Quando se chega cá, as vezes é assim, às vezes não é. 

Também está encarregue dos temas de regulação em África e no Médio Oriente. Quais são os planos para essas regiões?
Temos um grande negócio na África do Sul e nos Emirados Árabes Unidos. Começámos há quatro meses no Cairo. Há uma enorme procura, por razões económicas e de mobilidade. Em muitas daquelas cidades, não há uma infraestrutura de transportes públicos. Na Arábia Saudita, 80% das pessoas que apanham um Uber são mulheres, porque não podem conduzir. Mas podem ser conduzidas pelo marido, pelo irmão, pelo pai ou por um motorista privado. Isto está a dar a oportunidade às mulheres de se deslocarem, seja para as universidades ou para o trabalho. Estamos também a expandir-nos para o Quénia e para Marrocos.

Ainda se vêem como uma startup?
Eu sei que vistos de fora parecemos uma empresa enorme, do tamanho da IBM. Mas a nossa valorização estimada de mercado não é aquilo que valemos. Não temos 50 mil milhões de dólares. É dinheiro fictício. Ainda não damos lucro. O dinheiro que fazemos investimos em expansão. Por dentro, somos uma startup. É certo que há quatro anos éramos sete pessoas, agora somos quatro mil. Mas a maioria das pessoas têm entre 25 e 30 anos. Há muito poucas pessoas mais velhas, como eu. Eu trabalhei para empresas mais estabelecidas, como a Alcatel e a Euronext, onde há um departamento diferente para tudo. Se uma pessoa precisa de fazer alguma coisa na Uber, tem de o fazer ela própria. 

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