Media concorrentes na Noruega estão a construir site independente de prova de factos

O Faktisk.no é uma nova colaboração entre os jornais Dagbladet e VG e a estação pública nacional, a NRK: “Uma das primeiras coisas que descobrimos foi que tínhamos de nos reunir fora das nossas organizações.”

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Na Noruega, a verificação de factos está a crescer.

Este país de cinco milhões de habitantes vai ter em breve um site totalmente dedicado à verificação de factos. O Faktisk – que significa “verdadeiramente” ou “factualmente” em norueguês – é uma colaboração invulgar entre media rivais, que vão verificar os factos de histórias que começam a tornar-se tendência nas plataformas sociais, debates políticos e os próprios meios de comunicação social.

Os editores do Verdens Gang, um tablóide diário norueguês que pertence ao gigante dos media escandinavo Schibsted, andava a ponderar a possibilidade de criar um projecto de prova de factos mais permanente, nas vésperas das eleições parlamentares de Setembro, devido aos avisos do "Brexit", das eleições americanas e dos receios relacionados com as notícias falsas na Europa.

Em vez de limitar este trabalho ao Schibsted, o VG envolveu o Dagbladet, que é o segundo maior tablóide diário na Noruega.

“Puseram seis pessoas numa sala escura secreta na baixa de Oslo antes do Natal. Disseram-nos: 'Vão definir uma estratégia para o funcionamento desta iniciativa e trabalhar em conjunto.' Demorámos uns cinco minutos antes de falarmos todos livremente”, contou-me Kristoffer Egebert, repórter de investigação veterano do Dagbladet, que lidera agora a nova equipa do Faktisk. “Uma das primeiras coisas que descobrimos foi que tínhamos de nos reunir fora das nossas organizações”. A equipa convidou então a NRK, a estação pública da Noruega, para ser a terceira organização de notícias parceira.

A Fritt Ord (uma fundação norueguesa que se foca em questões relacionadas com a liberdade de expressão), juntamente com a Tinus Trust (accionista principal da Schibsted), a Fundação Dagbladet e a NRK investiram juntos oito milhões de coroas norueguesas (cerca de 873 mil euros) para dar início ao projecto.

O Faktisk está a ignorar aquilo que as plataformas dominantes como o Facebook poderão querer fornecer em termos de verificação de factos e formou a sua própria empresa, com uma equipa própria de editores, repórteres/verificadores de factos e programadores. Jari Bakken, um programador da VG que actualmente trabalha a tempo inteiro para o Faktisk, está a construir um novo CMS (Sistema de Gestão de Conteúdo) para lidar com o trabalho (com o apoio de outros programadores iniciais). Todo o trabalho de programação vai ser feito recorrendo a open source.

“A equipa de programação do meu antigo jornal perguntava porque é que não usávamos o CMS deles. “Gastámos milhões a desenvolver um CMS de ponta, porque é que estão a perder tempo a criar um só vosso?”, contou Egeberg. “A resposta é que não estamos apenas a produzir artigos. Estamos a fazer prova de factos. Precisamos de um CMS que divida as nossas verificações de factos em partes e que torne possível que estas sejam usadas no futuro em projectos de automação e de inteligência artificial. Os nossos CMS tradicionais não foram feitos para isso”. (A equipa reuniu-se com instituições de investigação como o SINTEF e o grupo IBM Watson para discutir potenciais formas de enfrentar tarefas como a monitorização social e a detecção de alegações. Egeberg e Bakken mencionaram o Full Fact, do Reino Unido, pelo seu trabalho a tornar o processo de verificação de factos automático.

“Grande parte do que os jornalistas produzem hoje em dia é apenas um pedaço de texto sem estrutura. Acho que um CMS com mais estrutura do que um artigo normal e com a incorporação de inteligência pode melhorar a experiência do utilizador, tanto para jornalistas como para o público,” disse Bakken, apontando várias ideias sugeridas pelos defensores do jornalismo estruturado. “Uma prova de factos tradicional contém muita informação incorporada e faz sentido extraí-la e armazená-la como dados estruturados em vez de texto – a alegação; quem a fez e onde; onde foi citada, reproduzida ou partilhada; que conceitos, pessoas, organizações, acontecimentos e locais são discutidos; que fontes foram usadas na verificação de factos; e qual é a conclusão ou classificação final. É óbvio que o mesmo se aplica a muitas reportagens, mas uma verificação de factos é uma peça jornalística bem definida que contém sempre estes componentes”.

Como parte do seu imperativo de transparência e abertura, o Faktisk pretende distribuir e partilhar a nível alargado toda a informação que verificou e tratou – as suas provas de factos podem ser retiradas e incorporadas por qualquer outra plataforma de notícias ou autor individual no seu trabalho, da maneira que estes acharem melhor. O VG tem uma edição no Snapchat Discover dos países nórdicos, onde a equipa também pretende distribuir informação, de modo a chegar a um público mais jovem. A NRK andava a planear um programa televisivo sobre a verificação de factos antes das eleições de Setembro e agora o Faktisk também poderá participar nele.

O site também espera associar-se a mais parceiros dos media, afirma Helje Solberg, editora da VGTV e presidente do Faktisk, “e, com base nas respostas que obtivemos até agora, prevemos que isso vai acontecer”. (O Facebook também é bem-vindo, se estiver interessado.)

Temas relacionados com o clima, as relações internacionais e as eleições na Norguega vão provavelmente ter grande destaque no site e “uma tarefa importante para nós é lidar com isso e ajudar as pessoas a distinguir uma opinião de uma declaração baseada em factos, que pode ser verificada,” disse Egeberg. “A nossa escala vai ter cinco conclusões diferentes, desde “totalmente errado” a “completamente verdade”. Não usamos medidas como “Pinóquios”. É importante para nós usar linguagem bastante neutra, não chamar mentiroso a ninguém, o que só iria lançar achas para a fogueira. Dizemos “isto está correcto” ou “isto não está correcto”; não dizemos “isto é mentira”.”

Num país do tamanho da Noruega e num site cujos fundadores resistem à ideia de ter publicidade, preocupados com potenciais conflitos de interesse, as fundações e grandes subsídios parecem ser as principais fontes de rendimento do Faktisk. “Vamos concentrar-nos em grandes doações para financiar o Faktisk – não estamos à espera de o financiar de maneira significativa através de crowdfunding, mas reconhecemos que isto poderia reforçar a nossa relação com os leitores,” afirma Solberg.

“Costumamos realizar iniciativas deste tipo antes de umas eleições. É difícil um jornal aguentar sozinho um trabalho tão substancial – talvez a NRK conseguisse, porque é financiada pelo Estado,” explica Egeberg. “Mas estamos a tentar reunir mais recursos e parceiros de maneira a criar uma organização com resistência para acompanhar e sobreviver às eleições, ao longo de 2017, 2018, 2019 e, esperamos nós, que se possa tornar um novo membro permanente da família dos meios de comunicação na Noruega.”

Tradução de Rita Monteiro

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