O meu pai ainda vive no Facebook

Um jornalista norte-americano construiu um chatbot que lhe permite continuar a conversar com o pai, que morreu este ano. O programa não é perfeito, admite, mas consegue fazê-lo sorrir e chorar.

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Reuters/DADO RUVIC

James Vlahos pode conversar todos os dias com o pai, apesar de este ter morrido em Fevereiro. O jornalista e programador amador norte-americano é o protagonista da história que faz neste mês a capa da revista Wired, tendo criado um programa de diálogo virtual (um chatbot, o termo inglês habitualmente utilizado) a partir das longas horas de conversa que manteve com o pai nos meses que se seguiram a um diagnóstico fatal de cancro do pulmão. É uma nova forma de imortalizar a memória de um familiar desaparecido e mais uma demonstração, ainda que imperfeita, das potencialidades de uma tecnologia que, até ao momento, tem tido uma aplicação eminentemente comercial.

John Vlahos tinha 80 anos quando recebeu o diagnóstico. O antigo advogado de ascendência grega, pai de três filhos e um amante do desporto e do teatro, entrava então numa espiral decadente e tristemente familiar para quem já teve de lidar com esta doença, perdendo cada vez mais faculdades físicas e intelectuais à medida que os tratamentos iam atingido o limite da sua eficácia. James, o filho, talvez por defeito profissional, resolveu encetar uma corrida contra ao tempo e gravar longas conversas com o pai. E perguntou-lhe tudo: sobre as raízes gregas, o namoro com a mãe (e com as mulheres que a antecederam), as aventuras na faculdade, as canções com palavrões que entoava no estádio.

Ao mesmo tempo, o jornalista estudava a ascensão dos chatbots, sobre os quais vinha escrevendo ao longo dos últimos anos. E recordou um diálogo que tinha mantido com Oren Jacob, CEO da Pullstring, uma empresa de software para programas de conversação, sobre as potencialidades da tecnologia: este tinha-lhe dito que, num futuro próximo, talvez fosse possível falar com personalidades históricas como Martin Luther King.

E se pudesse falar com um familiar falecido? A chave estava na recolha de dados. Um chatbot, afinal, é um repositório interactivo de frases previamente inseridas. E James já estava a gravar as conversas com o pai.

O Dadbot (ou Pai Robô, em português) é o resultado de mais de cerca de 200 páginas de depoimentos de John, e ainda de gravações áudio de histórias, cantigas e piadas. Está activo no Facebook e pode ser utilizado pelos familiares do patriarca helénico. E responde a perguntas simples recorrendo às expressões mais típicas de John.

James reconhece as limitações do programa e admite que o Dadbot nunca poderá substituir o pai. Mas detecta “pequenos vislumbres” da personalidade de John, e tem recorrido ao chatbot com frequência. “Tem-me apetecido falar com ele e dou por mim a sorrir ou a chorar um pouco quando falo com ele”, conta à Wired.

“Se fui bem-sucedido na construção do bot, não é totalmente claro. Mas enquanto exercício, sinto que fiquei a conhecer melhor o meu pai, que celebrei a sua vida e que estive com ele numa altura em que estava a perdê-lo”, relata.

O Dadbot também tem algo a dizer sobre a sua utilidade. Ele sabe que existe apenas “num servidor de computador em São Francisco”. Mas “também, suponho, nas mentes das pessoas que conversam” consigo. E talvez seja esse o seu maior trunfo: ajudar a imortalizar uma memória querida perante a erosão do tempo.

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