Investigadores usam bitcoins para identificar redes de traficantes sexuais

Método permite encontrar anúncios online publicados pela mesma pessoa e a carteira digital que os pagou.

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A bitcoin é o principal método de pagamento Reuters/BENOIT TESSIER

Uma investigadora norte-americana desenvolveu um algoritmo para associar anúncios ligados a redes de tráfico humano com informação pública sobre transacções feitas com a divisa digital bitcoin (o principal método de pagamento para este tipo de publicidade). O método faz parte de uma colaboração entre os departamentos de engenharia das universidades de Berkeley, San Diego e Nova Iorque, nos Estados Unidos, para criar técnicas automáticas que ajudem as autoridades e organizações não-governamentais a combater a escravatura sexual. 

O tráfico humano – em particular, de mulheres e crianças para sexo – é um problema global: em 2017, há cerca de 4,5 milhões de vítimas a trabalhar no mercado sexual segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. A Internet é parte do problema. Muitos sites de classificados que vendem serviços sexuais (por exemplo, o Craigslist e o Backpage) são utilizados por traficantes para financiar o negócio ilegal, com 63% de vítimas a dizerem que sabem que foram anunciadas online, de acordo com um estudo da organização internacional Thorn que luta contra este tipo de crime.

“A tecnologia que construímos cria conexões entre vários anúncios. O proxeneta que publicou no Backpage é o mesmo que publicou no Craigslist? E é o mesmo homem que está sempre a receber bitcoins para raparigas traficadas? São questões que já podemos responder ferramentas tecnológicas”, diz a autora principal do projecto, Rebecca Portnoff, na apresentação das técnicas desenvolvidas pela equipa. 

Regra geral, os anúncios criados por traficantes sexuais são difíceis de monitorizar, porque há muitos (é impossível analisar manualmente os milhares de novos anúncios diários) e porque são assinados com nomes falsos, números de telefone pré-pagos (usados apenas uma ou duas vezes) e contas de email temporárias. A dupla de algoritmos agora desenvolvida analisa a informação automaticamente. O primeiro utiliza inteligência artificial para comparar milhares de anúncios em simultâneo e juntar os que são escritos com um estilo semelhantes – ou seja, cria grupos de anúncios que provavelmente foram escritos pelo mesmo autor. O segundo (desenvolvido pela própria Portnoff) permite “ligar” esses grupos de anúncios a informação publicamente disponível na blockchain, a tecnologia de base de dados distribuída em que as bitcoins assentam.

“O algoritmo recria o preço de um anúncio de sexo em sites como a Backpage e depois identifica uma transacção de bitcoin com o mesmo preço e data de publicação do anúncio. Se encontrarmos apenas uma transacção deste tipo podemos dizer com confiança que é a transacção que pagou pelo anúncio”, explica Damon McCoy, um dos investigadores da equipa de Portnoff, ao PÚBLICO. “Ainda não podemos dizer quem são os autores dos anúncios, isso requer uma investigação dos sites de classificados pelas autoridades. Mas o nosso algoritmo permite identificar a existência de grandes redes de tráfico humano a publicar em sites de classificados”, acrescenta o investigador da Universidade de Nova Iorque.

Na blockchain, qualquer pessoa pode ter acesso às transacções feitas pelas carteiras digitais (porém a identidade do dono carteira é desconhecida). A bitcoin é a principal forma de pagamento para este género de anúncios, porque várias empresas de cartões de crédito (como a MasterCard e a Visa) não querem estar associadas a serviços de prostituição e impedem que os anúncios em muitos sites de classificados sejam pagos através das suas plataformas. 

A primeira parte da técnica desenvolvida pela equipa - o algoritmo que permite agrupar anúncios com o mesmo autor - já foi testada numa amostra de dez mil anúncios para adultos no site Backpage. Teve 89% de sucesso. A segunda parte apenas foi testada através com carteiras e anúncios simulados pelos autores. Um teste mais a sério requer a colaboração das autoridades.

Apesar de feliz com os resultados a equipa está consciente de algumas limitações: “É sempre possível que um autor seleccione e copie, aleatoriamente, o texto de outro anúncio para utilizar, e que não exista um único autor comum”, lê-se no relatório do projecto. Porém, McCoy acentua que a técnica da equipa pode ser útil em diferentes cenários que requerem a conexão de vários anúncios ilegais com transacções feitas em bitcoins.

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