Fundador da Uber pede desculpa por maltratar motorista que criticou a empresa

Momento captado em video, mostra Travis Kalanick numa discussão devido ao preço do serviço Uber Black.

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“Dizer que estou envergonhado é pouco", escreve Kalanick no e-mail interno Reuters/BECK DIEFENBACH

O fundador da Uber, Travis Kalanick, 40 anos, pediu desculpa, esta terça-feira, por ter discutido com um motorista da empresa, momento que ficou registado em vídeo. As imagens, divulgadas pela Bloomberg, mostram a discussão entre Kalanick, que seguia num carro que prestava um serviço Uber Black – uma das diversas opções da Uber – e o motorista Fawzi Kamel, de 37. O condutor aproveitou a viagem e a presença do CEO da Uber para tecer críticas sobre a descida das tarifas, atitude que desagradou a Kalanick: “Sabes uma coisa? Algumas pessoas não gostam de ser responsabilizadas pelas merdas que fazem. Culpam sempre os outros por aquilo que lhes acontece na vida. Boa sorte!”

O vídeo foi divulgado esta terça-feira, mas a gravação data de 5 de Fevereiro. Nas imagens, identifica-se Travis Kalanick, fundador da Uber, que seguia num dos automóveis de gama que prestam serviço Uber Black. Acompanhado por duas mulheres, Kalanick conversa pouco até ao final da viagem. Nessa altura, o motorista do veículo, Fawzi Kamel, aproveita para falar directamente com Kalanick, a quem diz que a empresa “está a aumentar as exigências, mas baixa os preços”. E queixa-se também que o número de automóveis Uber Black (serviço de luxo, com veículos topo de gama de marcas seleccionadas) está a diminuir. "

O motorista continua: “Quem é que quer comprar um carro para si? Quem é que confia em si? As pessoas já não confiam em si. Perdi 97 mil dólares [cerca de 92 mil euros] por sua causa. Entrei em bancarrota por sua causa… Você muda todos os dias”. Kalanick desvaloriza a situação e respondeu que são “tretas”. No final da viagem, Kamel dá a nota mínima ao fundador-cliente da Uber e entregou as imagens para difusão.

A visibilidade do caso forçou Kalanick a fazer marcha-atrás e a pedir desculpa pelo seu comportamento. Num texto distribuído por email na Uber – e divulgado no blog da empresa –, o líder da mais valiosa startup do mundo lamenta o episódio e assume a culpa. “Acho que já todos viram o vídeo em que trato um condutor da Uber de forma desrespeitosa”, escreve. “Dizer que estou envergonhado é pouco. O meu trabalho como líder é liderar… e começa por adoptar uma atitude que nos orgulhe a todos”.

“É claro que este vídeo me reflecte”, escreve, admitindo que a solução passa por uma mudança no seu comportamento: “Tenho de mudar como líder e crescer." “Peço imensas desculpas ao Fawzi, à comunidade de motoristas e passageiros e à equipa da Uber”, escreve. "Esta é a primeira vez em que tenho estado disponível para admitir que necessito de ajuda para a minha liderança e irei buscá-la."

Em declarações à cadeia NBC, o condutor protagonista do caso explica por que decidiu confrontar o presidente executivo de uma empresa que opera em mais de 500 cidades em todo o mundo, mas não tem um carro. "A Uber continua a baixar os preços ano após ano para conquistar mais clientes e assim satisfazer as suas necessidades de crescimento, e na Uber não se importaram se um condutor não tira sequer o salário mínimo", afirma o condutor. 

Desde a fundação, em São Francisco EUA, em 2008, a Uber colocou-se no topo das startups mundiais, com uma valorização estimada que ultrapassa os 40 mil milhões de dólares (quase 38 mil milhões de euros, ou metade do empréstimo contraído por Portugal com a troika, em 2011). A visibilidade da empresa, que enfrenta disputas legais em muitos países, e que em cidades como Barcelona só pode transportar comida, só é comparável aos protestos de que também é alvo – e que agora mais do que nunca se centram na figura de um dos seus fundadores. E Kamel parece estar insatisfeito com o pedido de desculpa. Porque para motoristas como ele, do serviço UberBlack, a questão das margens é ainda mais crítica, visto que têm de investir quantias mais avultadas em carros topos de gama e agora enfrentam a pressão da empresa para baixar preços de modo a atrair clientes.

Outros factos relevantes para Kamel: o primeiro serviço da Uber foi o UberBlack, o que faz destes condutores os veteranos da empresa. "A verdadeira questão é que os primeiros motoristas UberBlack são os verdadeiros investidores na Uber. Como é que os angel investors transformam 20 mil dólares em milhões mas os primeiros condutores ficam sem nada", questiona, segundo a NBC.

A voz crítica de Fawzi Kamel vem juntar-se à de outros condutores do serviço Uber Black, que por exigir mais da parte dos condutores, seria, à partida, fonte de rendimentos mais elevados. Mas isso não acontece porque as tarifas praticadas nesse serviço têm descido consideravelmente, aproximando-se das do serviço UberX, o mais barato. No entanto, não são apenas os condutores que estão insatisfeitos.

Desde o início de 2017 que a Uber tem sido motico de novas controvérsias. À divulgação deste vídeo, juntam-se as acusações sobre assédio sexual e sexismo dentro da empresa e as alegadas tentativas de roubo de tecnologia para carros autónomos à Google.

Porém, o episódio com maior repercussão nas redes sociais nos últimos tempos foi a reacção ao suposto “boicote” da Uber às manifestações em Nova Iorque, no aeroporto John F. Kennedy, a 30 de Janeiro, contra o chamado “veto muçulmano” decretado por Trump. Na altura, a Uber baixou as tarifas no aeroporto JFK, o que deveria dissuadir os motoristas a aceitarem serviço. O descontentamento popular desaguou em redes como o Twitter e o Facebook, e deu origem ao movimento  #DeleteUber, que desafiava os clientes da empresa a apagarem a aplicação e a encerrarem a sua conta Uber. 

Texto editado por Victor Ferreira

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