Como calar os móveis da cozinha

Prémio Europeu do Inventor atribuído a dois austríacos que criaram amortecedores de cozinha. Portugueses estrearam-se entre os finalistas. (vídeo em inglês, sem legendas)

A investigação portuguesa esteve pela primeira vez representada entre os finalistas do mais importante prémio europeu de inovação. Nomeados pelo desenvolvimento de uma forma ambientalmente amigável de expandir aglomerados de cortiça, Helena Pereira e António Velez viram, no entanto, o Prémio Europeu do Inventor ser entregue ao colectivo austríaco que conseguiu acabar com o barulho de portas e gavetas a bater em cozinhas de todo o mundo.

Os prémios do Instituto Europeu de Patentes (EPO, na sigla inglesa) foram entregues nesta terça-feira, em Amesterdão. Na categoria em que concorriam os investigadores portugueses, Indústria, os vencedores foram Claus Hämmerle e Klaus Brüstle, que desenvolveram para a empresa austríaca Blum um sistema de amortecedores para mobiliário de cozinha que, sendo semelhante ao dos automóveis, trava portas e gavetas e impede-as de bater.

É uma inovação que começou a chegar às casas europeias há cerca de uma década e que se disseminou desde então pelo globo. “É engraçado pensar que estou a fazer uma coisa tão pequena que toda a gente tem agora na cozinha. É uma sensação engraçada”, disse ao PÚBLICO Claus Hämmerle. “Comecei a trabalhar na Blum há dez anos e, desde então, sempre que visito alguém, vou ver-lhe a cozinha. Só para ver. Nunca me tinha interessado por cozinhas antes”, gracejou o austríaco.

A distinção em 2013 deve-se ao tempo necessário para o EPO analisar e conceder uma patente, processo que pode demorar entre três e quatro anos. É isso que explica que as inovações nomeadas nesta sétima edição dos prémios não sejam avanços tecnológicos muito recentes. O mesmo se passa com a descoberta portuguesa, cujo trabalho também foi iniciado há mais de dez anos.

Ainda em Lisboa, em conversa com o PÚBLICO, Helena Pereira valorizou sobretudo, no que ao prémio diz respeito, a presença entre os finalistas. “É óbvio que a nomeação como finalista nos deixa muito contentes, porque é o reconhecimento deste trabalho e do trabalho que está por trás”, disse. “Sem dúvida que reconhecer a qualidade da investigação feita pelo nosso grupo de trabalho é importante. Mas penso também que é importante para se falar da cortiça e da investigação portuguesa neste domínio, que é tão nacional e tão específico, e um material tão interessante”, concluiu a investigadora do Instituto Superior de Agronomia. Na mesma conversa, António Velez, do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, sublinhou que “é óbvio que o trabalho não parou aqui”. A expansão da cortiça “apenas abriu uma fileira de trabalho”. “Continuamos a trabalhar, tendo em conta, possivelmente, aplicações deste tipo de material.”

José Luis López Gómez, o terceiro concorrente na categoria Indústria, também foi distinguido no Beurs van Berlage. O investigador espanhol, que construiu as “rodas independentes” usadas em comboios de alta velocidade em Espanha – aumentando a estabilidade e a segurança das composições ferroviárias –, venceu o Prémio Popular, que resultou de uma votação online no site do EPO e que foi entregue pela primeira vez este ano. Visivelmente satisfeito, López Gómez recebeu a maior ovação da cerimónia, que contou com a presença da princesa Beatriz, rainha abdicante dos Países Baixos, e do comissário europeu para o Mercado Interno e Serviços, Michel Barnier.

Na conferência de imprensa que precedeu a entrega dos prémios, Michel Barnier disse que a inovação faz parte da estratégia para o crescimento europeu e que a “protecção inteligente” da propriedade intelectual, através do EPO, é uma forma de as empresas europeias se certificarem da “eficiência” dos seus investimentos em investigação e inovação. O comissário sublinhou que a concretização do sistema de patente unitária – que deve entrar em vigor no final do ano, ou no início de 2014 – vai também permitir cortar nos custos associados à patenteação. “Para ser justo, acho que ainda não atingimos o objectivo de Lisboa de tornar a Europa no mercado mais competitivo do mundo. É por isso que isto é tão importante”, disse.

LCD, USB, ADN e nanomedicina
Inovar significa criar um produto totalmente novo, melhorar um já existente ou tornar engenhos anteriores obsoletos. Nas restantes quatro categorias do Prémio Europeu do Inventor, os vencedores são exemplos de todas estas formas de inovação.

Martin Schadt venceu a mais importante dessas categorias: o prémio de carreira. O investigador suíço é responsável por uma outra mudança de monta a que assistimos nos últimos anos em casa – a significativa redução do tamanho dos nossos televisores. Martin Schadt construiu o primeiro televisor de ecrã plano, que se vulgarizou como ecrã de plasma, e, além de poupar espaço, permitiu reduzir o consumo energético e melhorar a definição da imagem.

USB foi outra sigla que invadiu o quotidiano deste início de século – e o motivo de mais uma distinção em Amesterdão, na categoria dedicada a inovações não-europeias, para Ajay V. Bhatt, Bala Sudarshan Cadambi, Jeff Morriss, Shaun Knoll e Shelagh Callahan. Esta tecnologia plug and play, desenvolvida nos anos 1990, simplificou a ligação de periféricos a computadores, televisores, telemóveis e tablets, e substituiu os CD e os DVD no transporte de dados.

Na categoria SME (pequenas e médias empresas), foram distinguidos os avanços feitos por Pal Nyrén no campo da sequenciação do ADN. O cientista e empresário sueco é o responsável pelo método de piro-sequenciamento que permite fazê-lo de forma menos complicada e, por isso, mais rápida e mais barata. Esta descoberta não só vale por ela própria, mas também por abrir portas na cura de doenças como o cancro, possibilitando a personalização dos tratamentos.

O cancro é também uma das preocupações da equipa franco-italiana de cientistas que, liderada por Patrick Couvreur, venceu na categoria Investigação. O que fizeram foi desenvolver cápsulas 70 vezes mais pequenas do que os glóbulos vermelhos que, com uma protecção biodegradável, se dirigem para as células cancerígenas, sem danificar tecido saudável. Nos  agradecimentos, Couvreur disse que o período de espera até que esta inovação na nanomedicina chegue aos doentes, desde a sua formulação em laboratório, é de cerca de dez anos.

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