Bruxelas aplica ao Google a sua maior multa anticoncorrência de sempre

Comissão Europeia exige 2420 milhões de euros porque considera que há abuso de posição dominante quando o Google dá primazia à sua ferramenta de comparação de preços.

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Google já anunciou que tenciona recorrer da decisão tomada pelo executivo comunitário Reuters/Francois Lenoir

A Comissão Europeia anunciou nesta terça-feira a maior multa de sempre num caso antimonopólio. São 2420 milhões de euros que o Google se arrisca a ter de pagar a Bruxelas, por práticas que a comissão considera anticoncorrenciais e que distorcem o mercado. A empresa já anunciou, através do seu "braço" europeu que vai "estudar cuidadosamente a decisão da Comissão, porque está "a considerar recorrer e continuar a defesa" da sua posição. "Com todo o respeito, discordamos das conclusões hoje anunciadas."

"O Google tem criado muitos produtos e serviços inovadores que fazem diferença nas nossas vidas. Isso é bom. Mas a estratégia Google para o seu serviço de comparação de preços para compras online não era apenas a de atrair mais clientes com um produto melhor do que o dos seus concorrentes. Pelo contrário, o Google abusou da sua posição dominante no mercado como motor de busca ao promover o seu próprio comparador de preços nas pesquisas, em detrimento dos da concorrência", explica a comissária com a pasta da Concorrência, Margrethe Vestager.

Em causa está a primazia que o Google dá ao seu comparador de preços. Quem pesquisa por roupa, por exemplo, é-lhe recomendado em primeiro lugar os resultados provenientes da ferramenta Google Shopping, propriedade do Google, como o nome indica. Estes resultados são na verdade anúncios que outros clientes do Google pagam para estarem nos primeiros resultados da pesquisa. Segundo a Comissão Europeia, mesmo ferramentas concorrentes com mais tráfego surgem por vezes apenas na quarta página dos resultados de uma pesquisa no Google.

"Quando alguém usa o Google para pesquisar por produtos, nós tentamos dar-lhe exactamente aquilo que procuram. A nossa capacidade de fazer isso bem não é um favorecimento a nós próprios nem nenhum vendedor ou website. É o resultado de muito trabalho e inovação constante baseada na reacção dos utilizadores", reage a empresa, num texto publicado no seu blog, poucos minutos depois do anúncio de Bruxelas.

Além da multa, Bruxelas dá 90 dias à empresa para pôr fim à medida agora sancionada ao abrigo das leis da concorrência europeias, ou arrisca-se a mais penalizações. Em concreto, se não respeitar aquele prazo e o conteúdo da decisão – nem a contestar judicialmente – o Google pode vir a ser condenado a pagar 5% da receita total média diária da sua empresa-mãe, a Alphabet.

Assinada por Kent Walker, vice-presidente sénior da empresa norte-americana sediada na Califórnia, a resposta do Google refuta a ideia de que a falta de tráfego de outros comparadores de preços se deva à interferência deliberada do Google. E aponta para outras empresas grandes, suas concorrentes, que estão no mercado, como a Amazon e o eBay, para sustentar o argumento de que a qualidade do serviço determina as preferências dos consumidores e o Google tem muitos concorrentes de peso. 

O caso remonta a 2010, altura em que surgiram queixas de empresas concorrentes no mercado digital, como a Microsoft, por exemplo. A actual direcção do império fundado por Bill Gates não quis para já comentar a decisão que lhe parece ser favorável — o que, como sublinha a BBC, pode estar relacionado com o acordo que envolve Microsoft e Google, fechado em 2016, para evitar este tipo de batalhas legais no futuro.

Mas pelo menos uma das empresas com interesse neste mercado comentou de imediato a decisão. "Toda uma indústria sofreu por causa do comportamento ilegal e anticoncorrencial do Google, e isto tornou-se uma autêntica batalha pela nossa sobrevivência", declarou à BBC o presidente-executivo da Kelkoo (uma ferramenta de pesquisa para compras online), Richard Stables.

Ser grande, mas com juízo, diz Bruxelas

Um dos parágrafos da longa decisão, que pode ser consultada na íntegra aqui (em inglês), destaca que, à luz das normas europeias, não é ilegal deter uma posição dominante no mercado. "Porém, as empresas nessa situação têm o especial dever de não abusarem desse poder de mercado restringindo a concorrência, seja nos mercados que dominam ou em mercados diferentes", lê-se na decisão.

E para a Comissão Europeia, fica claro que o "Google domina diferentes mercados das pesquisas online" no espaço económico europeu, com uma quota de mercado "que excede na maioria dos países os 90%". Por outro lado, não restam dúvidas aos responsáveis comunitários de que o Google "abusou desse poder de mercado ao dar ao seu comparador de preços uma vantagem ilegal".

Que consequências é que isto teve? A comissão enumera em dois parágrafos e publica também uma factsheet (folha de factos/dados), do qual se retiram as seguintes conclusões:

O comparador do Google registou um tráfego 45 vezes superior no Reino Unido, multiplicou-se por 35 na Alemanha, por 19 em França, por 29 na Holanda, por 17 em Espanha e por 14 em Itália.

Em sentido contrário, a concorrência "já estabelecida no mercado" quando o Google introduziu a sua primeira ferramenta (Froogle, que depois se passou a chamar Google Product search em 2008 até ser rebaptizado em 2013 com o nome actual), perdeu tráfego, dado que era despromovida nos resultados de pesquisa via Google.

Além disso, inclui um gráfico, que evidencia o poder de mercado do Google, que faz com que alguns dos cooncorrentes nunca surjam bem classificados nos resultados das pesquisas.

Continua assim o braço-de-ferro entre Bruxelas e o Google, que também se faz sentir noutros dois casos: um por alegadamente impor restrições a fabricantes de telemóvel equipados com o seu sistema operativo Android; e outro por causa da plataforma AdSense, ligada à venda de anúncios online.

E para onde irá o dinheiro, caso o Google chegue mesmo a pagar a multa? "As multas são receitas do orçamento comunitário e, por essa razão, ajudam a financiar a União Europeia e a baixar o peso fiscal sobre os cidadãos", esclarece a comissão. 

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