As startups que queremos em Portugal

Lisboa e Porto têm melhorado imenso a sua capacidade de atracção a vários níveis, mas há dois domínios em que se torna necessária uma evolução: no acesso ao capital de forma mais simplificada e à criação de hubs de conectividade

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Há uma diferença grande entre ser trendy e fazer negócios, entre ter carisma e ter dimensão real. Rita França

Escrevo de uma hotdesk num dos mais proeminentes coworks deste país e num ambiente acelerado e vibrante. Ninguém parece interessado apenas no seu projecto, no seu negócio e na ideia que tem para desenvolver. Cada startup conhece as outras, os seus desafios e as suas competências, e grande parte das pessoas parece acreditar na co-criação e no valor do network thinking, em que o ecossistema é muito mais do que a soma das partes.

É verdade que estes coworks também têm algumas das empresas que ganharam mais tracção e estão à procura de se tornarem no unicórnio do seu sector de actividade, da sua forma de ajudar a mudar o mundo. Há poucos dias, tive oportunidade de falar com mais de uma dezena de CEO de startups de Singapura, que me falaram, invariavelmente, da competição regional com as empresas tecnológicas do Vietname, Indonésia, Singapura, Malásia e Filipinas. Cada um destes mercados tem as suas vantagens competitivas e todas as startups querem pertencer ao ecossistema que lhes alavancar mais o negócio, estando a maioria delas com equipas numa cidade, sede e fiscalidade noutra e clientes numa terceira. Num mundo verdadeiramente global, as empresas ágeis encontram facilmente o melhor cenário para cada fracção do seu negócio.

Teoricamente, a Indonésia e Vietname são os  países que têm mais potencial de crescer neste espectro das startups, porque é onde há mais pessoas. Mais pessoas, mais oportunidades. Estatisticamente, mais diversidade significa mais probabilidade de diferenciação e criação de valor. Mas Singapura tem o capital. Chegados aqui, o que é mais relevante para o crescimento de ecossistemas novos: pessoas ou capital?

Não há uma resposta única, porque ambos “sabem viajar”. Na realidade, o ecossistema de startups de Singapura tem imensos europeus, que vêm à procura das oportunidades dos mercados mais emergentes. E ambos (dinheiro e pessoas) viajam se houver capacidade de atracção por parte das cidades, dos mercados. 

Lisboa e Porto têm melhorado imenso a sua capacidade de atracção a vários níveis, mas há dois domínios em que se torna necessária uma evolução: no acesso a capital de forma mais simplificada e a criação de hubs de conectividade, que são muito mais do que, apenas, espaços. Os coworks não são a solução, mas apenas um bom argumento para juntar ingredientes. São uma espécie de shaker, onde os ingredientes podem criar novos outputs que acelerem crescimento e valor, sem que nenhuma parte perca a sua própria identidade. É preciso apoiar projectos que promovam comunidade e conectividade inter-empresas, porque é nessa arena que se acelera o desenvolvimento real.

Felizmente, a reputação internacional de Lisboa e Porto está em alta. É sexy ir para as novas hubs, se souberem ser mais autênticas e oferecerem melhor qualidade de vida.  Curiosamente, Porto e Lisboa são um hype bem visto entre os empreendedores, por um misto que vai desde o seu carácter próprio e menos igual a outras cidades, com o bom clima, a maior confiança política, a mão-de-obra mais competitiva, o efeito Farfetch, a segurança e o Web Summit.

De repente, podemos tornar-nos num pólo de atracção de pessoas altamente qualificadas que vão construir o mundo do futuro, e essa é a aposta mais segura (talvez excluindo a óbvia aposta no turismo) para o crescimento, a integração, as exportações e a sustentabilidade do país.

No entanto, há uma diferença grande entre ser trendy e fazer negócios, entre ter carisma e ter dimensão real. Portugal tem de desenhar este novo ciclo favorável de forma diferente de Manilla, Bombaim e Kuala Lumpur. Temos de evitar ser atractivos só por competitividade das pessoas, por muito relevante que esse critério seja. Precisamos de criar ecossistemas completos, mitigando bottlenecks como o fundraising ou a burocracia , trabalhando de forma mais colaborativa, intensa e disruptiva.

Há uma oportunidade real para crescermos as exportações de serviços para além do formato tradicional de turismo, sendo capaz de atrair empreendedores internacionais que tragam ideias novas e cooperem com os ecossistemas locais para criar novo valor de forma sustentável, em plena oposição aos anos em que eramos incapazes de reter o nosso próprio talento.

 

 

 

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