Vistos gold: secretária do ex-director do SEF alvo de processo por falsas declarações

Ministério Público desconfia da veracidade das declarações prestadas por uma secretária de Manuel Palos e uma conservadora amiga de António Figueiredo.

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Manuel Palos está a ser julgado no Campus da Justiça Enric Vives-Rubio

O Ministério Público mandou extrair certidões dos depoimentos prestados esta segunda-feira em tribunal por duas testemunhas do caso dos vistos gold, com o objectivo de desencadear processos-crime por falsas declarações.

O procurador encarregue do processo em tribunal, José Niza, desconfiou dos lapsos de memória e das contradições de uma secretária do ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o arguido Manuel Palos, e de uma conservadora do registo predial amiga de outro arguido, o ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado António Figueiredo. Confrontada em tribunal com o testemunho que tinha prestado ao Ministério Público ainda em fase de inquérito, a secretária do SEF, Isabel Ribeiro, alegou que esse depoimento tinha sido descontextualizado.

Acusado de corrupção passiva e de prevaricação, por alegadamente ter facilitado a atribuição de autorizações de residência a investidores dos vistos dourados a pedido de outros arguidos, nomeadamente António Figueiredo, o ex-director do SEF sempre negou ter cometido qualquer ilegalidade. E foi isso mesmo que confirmou a sua antiga secretária nesta segunda-feira em tribunal: que todos os processos de atribuição dos vistos gold seguiam os trâmites legais exigidos, e que qualquer cidadão conseguia obter este documento num curto espaço de tempo, se dele necessitasse com urgência. Foi o que sucedeu com vários amigos e conhecidos dos arguidos.

Dinheiro para comprar perfumes

À aparente normalidade dos procedimentos na sede do SEF no que respeitava aos processos destinados à obtenção de autorização de residência em território nacional o Ministério Público e o presidente do colectivo de juízes contrapuseram, porém, declarações anteriores da própria Isabel Ribeiro, quando admitiu ter estranhado a quantidade de pedidos de vistos gold com carácter de urgência que chegavam ao SEF vindos do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) - organismo que nenhumas competências tem nesta matéria.

De resto, o presidente do IRN chegou a enviar a esta e a outra secretária de Manuel Palos dois envelopes no Natal de 2013, com cem euros dentro cada um – para comprarem perfumes. O dinheiro acabou por ser devolvido. “No dia em que prestei as primeiras declarações estava muito assustada”, havia de admitir mais tarde a secretária. “Pensei que ia ser constituída arguida”. E assustada ficou após o procurador anunciar nesta segunda-feira que queria vê-la responder em tribunal por falsas declarações.

A mesma sorte teve, poucas horas mais tarde, uma conservadora do registo predial de Cascais amiga do presidente do IRN que havia contado ao Ministério Público, na fase de inquérito deste processo, ter ouvido António Figueiredo falar da necessidade de abrir uma delegação do SEF numa cidade chinesa para tratar dos vistos dourados portugueses. “Não era ele que falava nisso, eram os chineses” seus amigos, declarou, porém, em tribunal.

Advogado indigna-se

Advogado do ex-presidente do IRN, o antigo bastonário Rogério Alves mostrou-se indignado perante a abertura de procedimentos criminais contra as duas testemunhas: “Não podem sair daqui todas com um processo! Qualquer dia não temos testemunhas neste julgamento!”. A partir de agora, decidiu o juiz que preside ao colectivo, as testemunhas de cuja veracidade o procurador duvide não serão avisadas de que incorrem num processo-crime por falsas declarações, “para não se sentirem condicionadas” durante o resto da inquirição.

Nesta sessão do julgamento foram ainda ouvidos motoristas de António Figueiredo, que confirmaram aquilo que consta da sua acusação: que usava o horário de expediente para visitar imóveis de luxo juntamente com os seus amigos de nacionalidade chinesa, actividade que nada tinha a ver com o seu trabalho no IRN. Quem muitas vezes os transportava eram os motoristas deste organismo público. A suspeita que existe é que António Figueiredo recebia comissões de negócios imobiliários em que funcionava como intermediário, e que serviam para a obtenção dos vistos dourados. Um desses motoristas, João Custódio relatou que por várias vezes depositou dinheiro no banco a mando deste arguido: “Umas vezes 200 euros, outras 300. Também depositei cinco mil.” Quanto à sua proveniência, não soube explicá-la.

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