Vigílias contra a violência doméstica

Realizaram-se recentemente diversas vigílias contra a violência doméstica, uma iniciativa que merece todo o apoio. Apesar de algum progresso feito nos últimos anos, o problema permanece preocupante e, quase no final do ano, podemos dizer que 2014 será um mau ano: estão já registadas 29 mortes de mulheres vítimas da violência dos seus companheiros e muitos casos foram denunciados sem que tivesse havido uma resposta rápida. Nos últimos dez anos, 400 mulheres morreram por violência doméstica.

Podemos dizer que bastante se tem feito. Não podemos esquecer que, na primeira metade do século XX, ocorriam com frequência comportamentos que hoje nos parecem intoleráveis. Em pleno salazarismo, defendia-se que a mulher devia obediência ao marido e tinha poucas possibilidades de ouvir a sua voz. As mulheres tinham como missão tratar da casa e dos filhos, os maus tratos eram tolerados com conformismo e as denúncias, sempre raras, não tinham qualquer eficácia.           

A Constituição da República de 1976 e o Código Civil de 1978 alteraram o enquadramento legal desta questão, ao defenderem a igualdade entre homens e mulheres e a partilha de decisões sobre a gestão dos bens comuns do casal, abrindo caminho a uma série de alterações legislativas que conduzem, nos dias de hoje, à implicação dos cidadãos na resolução deste problema.

As vigílias que referi são importantes formas de denúncia do problema da violência conjugal. Importa que se repitam e que muitas mais pessoas possam aderir, de modo a criar um amplo movimento de opinião, semelhante ao que ocorreu em Espanha. Interessa demonstrar que estas manifestações dizem respeito a todos, porque a violência conjugal, para além de lesar gravemente a mulher, tem profunda repercussão sobre os filhos.

É importante, todavia, fazer muito mais. Se o problema é agora mais conhecido, nunca poderemos esquecer que a violência psicológica é frequente e menos visível, contribuindo também para graves disfunções familiares, que se mantêm durante anos. A justiça, nestes casos, tem de ser mais rápida e eficaz, porque colocar a mulher numa casa de abrigo e deixar o agressor à solta não dá garantias de protecção.

Quando se discute este tema pouco se fala da sua origem, e o debate foge para medidas de remediação em vez de se centrar na génese da questão. Por exemplo, ninguém denuncia a implicação dos tóxicos usados por estes homens, com realce para o alcoolismo: muitos agressores são dependentes do álcool, sendo pouco provável obter resultados sem afrontar essa dependência. Noutros casos, a conjugalidade violenta insere-se num padrão geral de violência e criminalidade masculina, com história de conflitos com a polícia e a justiça. Existe também um grupo de homens que só são violentos no casamento, sendo então essencial compreender a comunicação destrutiva no casal, onde a mulher também participa: aqui, a terapia de casal pode ser útil.

Na maior parte dos casos, os homens agressores têm perturbações da personalidade, sendo essencial implicar a Psiquiatria no seu tratamento, embora os resultados não sejam muito animadores.

A essencial intervenção pública de denúncia da violência doméstica tem de ser completada por intervenções na origem do problema, como exemplifiquei atrás, de modo a obtermos melhores resultados nesta questão.

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