São crianças, vieram do Afeganistão e o seu projecto de vida passa por Portugal

Cinco crianças e jovens entre os 14 e os 18 anos chegaram na quinta-feira a Portugal. São rapazes que estavam sozinhos na Grécia. Nos últimos dias jogaram à bola e dormiram “muito bem” numa cama a sério.

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Nuno Ferreira Santos

Vieram como refugiados do Afeganistão. Três estavam havia “muitos meses, um ano”, num campo perto de Atenas, e dois viviam numa residência de acolhimento para refugiados, conta Lora Pappa, fundadora da ONG grega METAdrasi — Acção para a Migração e o Desenvolvimento, que os acompanhou na viagem de avião a partir da Grécia. Chegaram a Portugal na quinta-feira. São meninos sem ninguém. Rapazes que podem ou não ser órfãos, que talvez tenham um pai ou uma mãe ainda vivos, mas não o sabem, porque se perderam deles no Afeganistão ou na travessia entre a Turquia e a Grécia, fugindo de situações de conflito e de perseguições.

Dois dos cinco rapazes são irmãos. Um com 14 anos é o mais novo do grupo, o outro com 18 anos é o mais velho. Quando saíram do Afeganistão eram muito mais novos. Por serem nacionais daquele país, não estavam abrangidos pelo programa de recolocação de refugiados da União Europeia (UE).

Correram riscos na travessia de barco entre a Turquia e a Grécia, muitos sozinhos. E viveram em campos de refugiados ou residências, sem perspectivas de lá saírem. Agora Portugal assume a sua protecção.

“Os campos não são lugares para crianças desacompanhadas”, disse Lora Pappa, cuja ONG, criada em 2010, garante apoio a 700 menores refugiados que chegaram sozinhos à Grécia. “A situação é muito má. Temos de passar esta mensagem aos outros países, aos outros governos”, de que é urgente tirá-los dos campos. “Não há perspectivas” nem para terem um projecto de vida na Grécia nem para regressarem aos seus países, porque estão sozinhos, acrescenta, insistindo que Portugal é “um exemplo excelente” do que deve ser feito nesta situação, ao criar as condições para os receber.

Para sair, as crianças necessitaram da autorização de um procurador da Grécia, país que era responsável pela sua protecção. Um procurador português autorizou a sua entrada. E ficam agora sob a guarda do Estado português.

Formalmente são requerentes de asilo, com financiamento garantido pela METAdrasi que lhes permite ter a mesma subvenção que um refugiado adulto através do programa de recolocação da UE.

Os cinco estão acolhidos num lar de infância e juventude ligada à Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) na zona da Grande Lisboa. A instituição vai, para cada um deles, “definir um projecto educativo”, que pode ser no ensino regular ou profissional, explicou Ana Maria Rodrigues da CNIS. Começam em breve com uma formação de português intensivo. E haverá ocupação de tempos livres. “Hoje [ontem] de manhã já estavam a jogar à bola. Conhecem o Cristiano Ronaldo”, acrescenta Ana Rodrigues.

“Demos esperança a estes meninos”, continua Lora Pappa. Pelo seu trabalho de apoiar a integração de centenas de refugiados na Grécia (crianças ou adultos) ou a sua ida para países europeus onde têm familiares, Lora Pappa venceu o Prémio Norte-Sul 2015 do Conselho da Europa.

"Coisas que nunca dirão a ninguém"

Sobre estes jovens que chegaram a Portugal, sem família em qualquer país europeu, diz: “Damos-lhes um pouco e eles dão-nos imenso. No Afeganistão, na Turquia, durante a travessia de barco ou nos campos na Grécia, eles passaram por coisas que nunca dirão a ninguém.”

Um novo futuro começa agora, para eles. É o que se pretende. Do campo de refugiados foram para o avião e do avião foram para uma casa. Pela primeira vez, em muitos meses, quase um ano, dormiram numa cama. “Dormiram muito bem, e muito tempo”, conta Lora Pappa, sorrindo.

Até meados de Outubro, havia cerca de 2500 crianças e jovens não acompanhados na Grécia, que chegaram sozinhos ou trazidos por um adulto que “dizia ser tio deles, mas não era”, conta Lora Pappa.

Portugal foi o primeiro país a garantir em parceria com o Governo grego a vinda de crianças refugiadas não acompanhadas que estavam excluídas de se candidatar ao programa de recolocação da UE.

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