Verba para bombeiros só chegou dois dias após início do fogo de Pedrógão

Lei do Financiamento das Autarquias não permite duplicação de transferências. Foi preciso abrir regime de excepção para o pagamento dos bombeiros municipais. Este ano, despacho chegou mais tarde.

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As verbas para os bombeiros apenas foram desbloqueadas no dia 19 LUSA/TIAGO PETINGA

O Governo só autorizou a transferência para as autarquias da verba para o pagamento dos bombeiros municipais envolvidos no combate ao incêndio em Pedrógão Grande na segunda-feira, dois dias depois das chamas terem começado.

Em causa estão as compensações de 45 euros por cada 24 horas de serviço, 60 euros no caso dos comandantes, a que os operacionais têm direito, e que anualmente o Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) transfere para as autarquias que tenham bombeiros municipais e equipamentos afectos ao Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais (DECIF).

O atraso não surpreende o presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares. “A ANPC funciona a passo de caracol”, ironiza, vincando que independentemente de serem voluntários ou profissionais, todos os homens envolvidos são “acima de tudo” bombeiros.

Com excepção dos sapadores, que não podem actuar fora da área municipal respectiva, como por exemplo os de Lisboa e do Porto, todos os bombeiros, sejam profissionais ou voluntários, podem integrar anualmente o DECIF, bastando que formalizem essa intenção e sejam aceites. No caso dos profissionais, o que acontece habitualmente é que aproveitam as férias para integrar o DECIF, sendo que no terreno são integrados em equipas de intervenção que podem assumir duas categorias – Equipas de Combate a Incêndios (ECIN) e Equipa Logística de Apoio ao Combate (ELAC) –, onde trabalham, algumas vezes, ao lado de colegas de diferentes corporações.

Aberta excepção para facer face a despesas

O problema do pagamento das compensações diárias só se colocou em relação aos bombeiros profissionais que integram os quadros das autarquias, já que os voluntários, como pertencem a corporações geridas por associações humanitárias podem ser subsidiadas. Como o Orçamento de Estado já transfere verbas para os municípios, através da Lei do Financiamento das Autarquias Locais, é necessário anualmente abrir uma excepção reforçando essas transferências para fazer face às despesas com honorários e manutenção de viaturas e equipamentos.

Este ano, o despacho conjunto dos ministérios da Administração Interna e das Finanças para aprovar uma directiva financeira a autorizar a ANPC a desbloquear essa verba demorou a sair. Tanto que quando o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, apresentou a 26 de Abril o DECIF 2017, os municípios ainda não tinham recebido o valor correspondente aos bombeiros envolvidos no dispositivo.

O primeiro alerta veio da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) que, num ofício datado de 10 de Maio, a que o PÚBLICO teve acesso, pedia a Jorge Gomes para promover “as diligências necessárias” de forma a garantir que os corpos de bombeiros detidos pelos municípios estavam “abrangidos pelas directivas financeiras” previstas para o DECIF.

No ofício, o secretário-geral da ANMP, Rui Solheiro, transmite a “enorme preocupação” dos municípios por esta matéria não estar ainda “clarificada e consolidada”, lembrando a proximidade de “mais um período crítico de incêndios florestais”.

Na resposta, o Governo admite o erro. O gabinete do secretário de Estado da Administração Interna começa por dizer que partilha do entendimento dos municípios sobre esta questão, prometendo uma resolução para breve, mas a 14 de Junho, dois dias antes do mais mortífero incêndio florestal do país ter começado, a bancada do PSD no Parlamento questionava o Governo sobre esta matéria.

“Lapso ou desconhecimento”

Num conjunto de perguntas, os social-democratas questionam a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, sobre o “lapso ou desconhecimento” que originou que não fosse “devidamente acautelado” no Orçamento de Estado para este ano a possibilidade da ANPC transferir verbas para os municípios no âmbito do DECIF.

A resposta ainda não chegou, mas a verba acabou por entrar nos cofres dos municípios no dia 19 deste mês, permitindo assegurar o pagamento dos honorários dos bombeiros municipais que integram o dispositivo colocado no terreno.

Portugal conta com 435 associações humanitárias – a base da Protecção Civil, diz Marta Soares –, 18 corporações municipais e sete corpos de sapadores.

Mesmo assim, municipais e sapadores representam perto de 80% do número de bombeiros portugueses. E, se a questão dos honorários foi resolvida, as transferências da ANPC para as autarquias para fazer face aos gastos com equipamento, combustível e eventual reparação de viaturas, aguardam ainda o despacho das Finanças e da Administração Interna a autorizar a respectiva directiva financeira.

Na prática, os municípios cedem meios e homens ao serviço do país, e estão a assumir os encargos até a verba ser desbloqueada. Isto numa altura, em que o DECIF já antecipou a fase Charlie, a mais crítica e que coloca mais meios no terreno, que segundo o calendário deveria arrancar só a 1 de Julho.

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