Vale a pena prevenir

1. A comunicação social deu grande destaque ao acidente dos Alpes, em que um piloto terá sido responsável pela queda de um avião, provocando a morte de 150 passageiros. Compreende-se que assim seja: a violência do desastre e as estranhas circunstâncias que o rodearam causaram perplexidade em todo o mundo, não sendo surpreendente que se tenham procurado explicações para o que aconteceu.

No momento em que escrevo (29/3), pouco se sabe ainda. Para se tentar compreender um suicídio é necessário conduzir a chamada autópsia psicológica, estudo que consiste num inquérito retrospectivo sobre o papel que o suicida desempenhou na sua própria morte. Para isso, entrevistam-se familiares, amigos e colegas da vítima, bem como os médicos e psicólogos que a tenham assistido. Pela complexidade da investigação, é sempre necessário algum tempo, não sendo aconselháveis explicações apressadas.

A pressa de noticiar “em cima do acontecimento” levou a declarações pouco ponderadas. Em primeiro lugar, é pouco provável que Andreas Lubitz tenha sofrido apenas de “depressão” ou que a ocultação da baixa médica possa explicar o seu acto. A hipótese mais provável — só adiantada pelo psiquiatra Pedro Afonso nas páginas do PÚBLICO de 28/3 — é de que se tenha tratado de um caso de “depressão psicótica”, termo que designa as depressões graves onde existem ideias delirantes, ou seja, crenças falsas e não partilhadas pela comunidade, muitas vezes sentidas como missão divina ou de salvação face a outras pessoas. Estas formas de depressão implicam uma ruptura com a realidade e podem levar a actos inexplicáveis para os outros, muitas vezes conduzindo a situações trágicas.

O que não parece certo é apresentar os acontecimentos como causados por uma depressão, patologia muito frequente nos dias de hoje, mas que de modo algum pode explicar o que aconteceu no Alpes. Ao procederem sem reflexão cuidada, algumas notícias lançaram um anátema sobre os doentes deprimidos, como sendo capazes de gestos perigosos para a comunidade, o que só muito raramente acontece.

Nestes casos, é necessário prevenir, através de um seguimento dos pilotos que possam manifestar sintomas depressivos, detectar com cuidado eventuais ideias de suicídio e determinar a terapia adequada.

2. Outra notícia onde a verdadeira prevenção seria mais adequada tem que ver com a entrada, numa escola de Sintra, de uma brigada da GNR, acompanhada por cães, com o intuito de uma “acção de sensibilização e de prevenção da toxicodependência”, na expressão da directora do agrupamento. Pasmo como ainda há alguém a pensar que a prevenção, junto de jovens, se faz com rusgas policiais e cães pisteiros a cheirarem as mochilas dos alunos! Depois, a minha surpresa depressa se converte em decepção: se foi destruído, pela actual tutela ministerial, todo o trabalho conseguido em criar equipas de Educação para a Saúde, constituídas por professores e estudantes, com a finalidade de prevenir problemas na alimentação, no consumo de álcool e drogas, nos comportamentos sexuais de risco e na violência (temas definidos como prioritários), só resta mesmo a vinda da polícia e o treino dos cães…

Pergunto por que razão alunos e pais não foram envolvidos em acções de prevenção e esclarecimento sobre os consumos tóxicos, em vez de se gritar “Mochilas no chão! Mãos em cima da mesa!”, como noticia o jornal.

A prevenção do risco de suicídio e da toxicodependência é hoje matéria de estudo e de reflexão, sendo demasiado importante para ser deixada ao livre curso do improviso e do sensacionalismo.

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