Uma visita que nos aqueceu o coração

Possa esta experiência de consolação abrir as portas de um futuro novo, realmente tocado pela esperança e pela paz..

Consolação! Tenho a consciência de que se trata de uma palavra porventura gasta e demasiado devota para muitas sensibilidades. É, no entanto, a melhor palavra que encontro para descrever o que aconteceu em Fátima nas intensas 24 horas de peregrinação do Papa Francisco. A experiência espiritual que esta palavra exprime ocupa um lugar central na espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, o fundador da Ordem religiosa a que pertence o Papa Francisco. Para Inácio, a consolação é mais do que do que uma emoção passageira ou um sentimento epidérmico. Trata-se, antes, de uma profunda experiência de comunhão com Deus que aquece o coração, abre novos horizontes de futuro e move a um amor prático e concreto.

Fátima é, sempre foi, um lugar de consolação. Nos múltiplos depoimentos que os canais de televisão nos foram mostrando, as palavras que mais se ouviram foram paz, alegria, amor, esperança. Mais do que clichés, estas palavras são expressão genuína da profunda experiência espiritual que uniu os milhares de peregrinos que rezaram juntos na Cova da Iria. Ser lugar de consolação – algo que não se improvisa – é, talvez, a mais profunda vocação de Fátima. Nos últimos dias tem-se escrito muito, às vezes em tom polémico, sobre o que realmente aconteceu na Cova da Iria há cem anos, se foi uma experiência mística ou uma “aparição de verdade.” Talvez nunca se chegue a consenso. Certo é que as três crianças experimentaram uma profunda consolação que mudou as suas vidas e abriu os seus corações a Deus, ao mundo, e aos sofrimentos da humanidade: foram “introduzidos no mar imenso da luz de Deus.” Uma experiência que ficou misteriosamente plasmada naquele lugar humilde – uma periferia, como diria o Papa Francisco – e que se torna tangível cada vez que o recinto do Santuário é inundado pelo brilho das velas e o branco dos lenços. “No crer e sentir de muitos peregrinos, se não mesmo de todos,” lembrava o próprio Papa Francisco, “ Fátima é sobretudo este manto de Luz que nos cobre.”

O Papa Francisco é bem conhecido pela sua defesa firme e constante, que se fez ouvir com nitidez também em Fátima, daqueles que habitam as margens: os pobres, os refugiados, os doentes, os que não têm voz. Compreendo, por isso, se alguns ficarem surpreendidos, ou até desiludidos, por eu colocar a ênfase na experiência de consolação que Fátima e a visita do Papa acenderam. E, no entanto, o Papa Francisco sabe muito bem que só a verdadeira consolação pode ser o ponto de partida para decisões transformadoras e capazes de gerar a paz e a justiça que o mundo desorientado em que vivemos procura.

A consolação de Fátima está longe de ser um mero “deleite” espiritual colectivo. Como recordou o Papa Francisco na homilia da missa a que presidiu, “o Céu desencadeia aqui uma verdadeira mobilização geral contra esta indiferença que nos gela o coração e agrava a miopia do olhar.” Se a consolação que irradiou de Fátima foi verdadeira – e eu acredito que foi – então os peregrinos hão-de regressar a casa como “sentinelas da madrugada” e “esperança para os outros.” É a partir desta experiência de consolação que há-de redescobrir-se “o rosto jovem e belo da Igreja, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor.” Portugal viveu, nestes dias, momentos de particular beleza e simplicidade. Também de raro consenso social e mesmo político. Possa esta experiência de consolação abrir as portas de um futuro novo, realmente tocado pela esperança e pela paz.

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