Um sistema trágico mas de contornos anedóticos

Temos um sistema de emergência e segurança que só funciona se não houver emergências e se tiver absoluta segurança. Serve para alguma coisa? Esperam-se respostas, enquanto não esfriar o escândalo

Não é de hoje que se conhecem, e se registam, falhas no denominado Sistema Integrado de Emergência e Segurança de Portugal, vulgo SIRESP. Ainda na quarta-feira se recordava no PÚBLICO um caso ocorrido em Agosto de 2016, no concelho do Sardoal, onde uma avaria nas comunicações (as que deviam ser de emergência) demorou 17 horas a resolver. O rol de peripécias associado a esta avaria é quase caricato e não vale a pena retomá-lo aqui.

Vale, isso, sim, a pena olhar para a transcrição das comunicações registadas no Sistema de Apoio à Decisão Operacional (SADO) durante a tragédia de Pedrógão Grande e divulgada ontem na íntegra pelo PÚBLICO (corresponde, tal relato, a uma espécie de “caixa negra” da Protecção Civil, logo fidedigna para o efeito de registar o que de facto se passou). Desde as 14h43 de sábado dia 17 até às 3h31 de segunda-feira dia 19 são múltiplas as referências a falhas nas comunicações. “Tentamos contacto (…) sem sucesso”, “Ficaram sem sinal”, “Contacto com o Posto (...) sem sucesso”. “Dificuldades de comunicação SIRESP”, “Não se conseguiu estabelecer contacto”, “Não consegue estabelecer contacto”, “Quebras constantes na rede SIRESP”, “Devido a avaria, o veículo repetidor SIRESP/PSP ficou imobilizado”, “Não tem contacto, perdeu contactos telefónicos”, “(…) Também ficou sem contacto”, “Tenta comunicação SIRESP e ROB com PCO sem sucesso”, “(não consegue contacto com o PCO)”, “Não consegue contacto”, “Não se consegue contacto”, “Não existem comunicações”, “Face à sobrecarga de comunicações não foi possível contacto telefónico”, etc. Lido assim, é repetitivo e ridículo. Mas todos estes excertos de frases (há mais) correspondem a diferentes horas da catástrofe e estão alinhados cronologicamente. Com tantas falhas e silêncios, o que se pede ao SIRESP? Nada, não se pode pedir nada.

Uma cláusula inacreditável iliba-o. Em casos de “força maior” (alheios à vontade da operadora), diz a cláusula 17.ª do contrato de parceria público-privada com o SIRESP, a responsabilidade fica do lado do Estado. Nestes casos de “força maior” incluem-se “graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem as actividades objecto do contrato”. Ora afectando um incêndio, ainda para mais de enormes proporções, “as actividades objecto do contrato”, o Estado que pague. Temos, portanto, um sistema de emergência e segurança que só se responsabiliza por funcionar bem desde que não haja emergências e possa funcionar em absoluta segurança. Serve para alguma coisa? Esperam-se respostas de emergência, enquanto não esfriar o escândalo.

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