“Um grande negócio” e uma “mistificação”

Dois presidentes de associações, uma de ateus e outra que defende a separação entre Igreja e Estado, contam como olham para Fátima.

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Nelson Garrido

A Associação República e Laicidade (ARL) nasceu em 2003 para defender a separação entre o Estado e a Igreja, mas nela cabem ateus, católicos, agnósticos e pessoas cuja fé é difícil de definir. “Tenho uma visão negativa” sobre o fenómeno que nasceu “num contexto de criar uma manifestação contra a Primeira República” devido à questão do Estado laico afirma Ricardo Alves, que é o presidente da associação, mas que sublinha que fala ao PÚBLICO sobre Fátima a título pessoal.

“Foi para isso que serviu em 1917”, sentencia. Depois disso, durante o Estado Novo, “passa a ser contra o comunismo”. Actualmente “é um grande negócio e provavelmente uma das grandes fontes de sustentação de Igreja Católica em Portugal”. Não há forma de verificar esta declaração de Ricardo Alves.

O santuário deixou de divulgar as suas contas em 2006. De acordo com o seu reitor, Carlos Cabecinhas, “o santuário sempre prestou contas, mas a quem tem de as prestar”, ou seja, ao Conselho Nacional (um órgão da Igreja em Portugal). O responsável refere ainda à Agência Lusa que, todos os anos, as contas são alvo de uma “auditoria externa independente que dá o seu parecer”. O PÚBLICO pediu um comentário ao Santuário de Fátima sobre as declaração produzidas no artigo, mas este optou por não se pronunciar, registando que respeita “o pluralismo de opiniões”. 

"Uma multinacional da fé"

Carlos Esperança, presidente da Associação Ateísta Portuguesa, também observa Fátima pelo prisma financeiro e não vê na visita do Papa Francisco motivos para o suavizar. “A Igreja Católica é uma multinacional da fé. O Papa é o seu primeiro director-geral, como tal não pode abandonar as suas sucursais”.

Ateu desde os 14 anos mas com formação católica, Carlos Esperança lembra mesmo que há “muitos católicos que não se revêem” nesta versão da “vinda de uma virgem saltitante pelas azinheiras” e fala numa “mistificação muito bem caracterizada” pelo Padre Mário de Oliveira (que escreveu o livro Fátima S.A.).

Tal como o responsável da ARL, Carlos Esperança entende que Fátima teve os seus alvos consoante o período histórico: Primeira República no começo, comunismo depois e, mais recentemente, “transformou-se numa plataforma contra o ateísmo”. “Em 2008 até houve um cardeal português que presidiu a uma peregrinação sob o lema “contra o ateísmo”, recorda, criticando o que vê como “carácter belicista” de Fátima.

Os dirigentes das duas associações têm uma visão crítica do fenómeno de Fátima. No entanto, mesmo que não acreditem em aparições nem em milagres, ambos já estiveram no santuário. Ricardo Alves diz que foi há mais de 30 anos, quando tinha 10 ou 12 anos, e que o que mais impressionou “foi a forma como aquilo estava tudo automatizado". "Havia uma série de ranhuras nas paredes onde as pessoas iam pôr dinheiro, quase uma coisa de supermercado”, recorda.

Carlos Esperança foi a Fátima em contexto laboral e acabou por passar pelo santuário. Foi há cerca de 15 anos, mas recorda a “grande impressão” de ver as pessoas a fazerem o percurso de joelhos. “Uma situação pela qual tenho imenso respeito”, realça.

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