Um grande médico

Pôs-me à vontade e, só pela atenção e pelo cuidado que teve, pôs-me bom.

Não nos conhecemos. Encontramo-nos num restaurante de que ambos gostamos. Falamo-nos sem falarmos. Ele ensina-me, através do exemplo, a ir lá jantar na quinta-feira à noite, à espera que chegue o peixe de Peniche.

Gosto dele. Uma vez vem ter comigo para me dar o nome de um álbum de Chet Baker. Mas ele tem a vida dele e eu tenho a minha. A partir da idade em que percebemos que já temos mais amigos do que tempo para passar com eles começamos a dar valor à cerimónia. Não perder tempo com futilidades com pessoas que já não serão amigas nossas torna-se numa cumplicidade entre pessoas que simpatizam umas com as outras.

Um dia destes, nesse mesmo restaurante, a Maria João teve medo que uma estranha dor que eu tinha nas costas fosse uma coisa mais grave, do coração.

Entretanto chegou ao restaurante a pessoa de que estou a falar, que é cardiologista. Eu protestei mas a Maria João foi ter com ele e pediu-lhe ajuda. Ele estava ali para almoçar e consultá-lo como médico seria como interromperem-me o almoço para eu escrever, imediatamente e de graça, uma crónica para quem ma pedisse.

Ele veio ter comigo e observou-me atentamente. Disse “sabes que há duas coisas que nos podem matar: os AVC e os enfartes do miocárdio. Acerca dos primeiros não podemos fazer nada mas, no caso dos enfartes, há muita coisa”.

Foi bondoso, sábio, tolerante: um médico no único sentido da palavra. Pôs-me à vontade e, só pela atenção e pelo cuidado que teve, pôs-me bom.

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