No interior, "os incentivos fiscais não podem ser o único modelo, nem o principal"

Três perguntas a Augusto Mateus, especialista em política económica e coordenador do programa de Competitividade Territorial e Coesão Económica e Social, em 2005.

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Nuno Ferreira Santos / PUBLICO

Augusto Mateus respondeu a três perguntas do PÚBLICO sobre as políticas de coesão do território e desenvolvimento do interior adoptadas nos últimos anos, na sequência da aprovação em Conselho de Ministros do Programa Nacional de Coesão Territorial. Mateus foi ministro da economia de António Guterres e secretário de estado da indústria do mesmo governo. 

O que falhou em planos anteriores de coesão territorial?
Uma boa maneira de falhar é insistir numa divisão genérica entre litoral e interior. A região mais interior da Península Ibérica é Madrid. Portanto não pode ser um problema geográfico, é um problema de adequação dos modelos de desenvolvimento aos trunfos dos territórios.

Temos uma narrativa simples: há concentração da população no litoral e tudo se resolve com a redistribuição entre o litoral e o interior. Não é verdade: uma boa política de coesão é aquela que valoriza as regiões menos desenvolvidas pelos seus trunfos, não aquela que os vai buscar ao litoral.

Um dos problemas que tem sido mais recorrente é a incapacidade de montar formas de organização do poder local ajustadas às necessidades das populações. E muitas vezes as políticas de coesão são desenhadas como se fossem uma espécie de compensação do atraso, em vez de serem políticas de criação de uma mudança efectiva em direcção a um desenvolvimento diferente. Há que assumir essa diferença. As coisas ainda são desenhadas como se mais condições - mais dinheiro e mais atenção - produzissem milagres de desenvolvimento e de coesão.

A “utilização dos trunfos” regionais deve passar por virar o interior de Portugal para o interior de Espanha?
Não faz muito sentido virar Portugal para as zonas mais pobres de Espanha. Quando se caminha para a fronteira, de um lado e do outro, há uma rarefacção de serviços, porque vivemos muitos anos de costas voltadas. Mas há uma relevância económica muito grande entre os dois países. Por isso, não há vantagem nenhuma em restringir as oportunidades para os nossos territórios a uma parte de Espanha, deve-se antes dirigir a Espanha no seu conjunto.

Claro que, localmente, faz sentido. No caso da Beira Baixa faz sentido resolver as relações com Castelo e Leão e a Estremadura. Assim como no Alentejo e na Beira Alta, onde as relações com Espanha não estão tão claras. Mas tem que ser feito de uma forma relativamente ampla, através da mobilidade, porque não se ganha nada em regionalizar as relações Portugal-Espanha.

A política de fixação de empresas através de incentivos fiscais é a mais eficaz?
A rarefacção dos serviços às empresas é a principal elemento que afasta as empresas do interior: não é baixando o IRC que se reduz esse problema. A baixa do IRC nunca pode ser um instrumento para corrigir esta realidade. Pode ser um instrumento complementar que pode de alguma maneira ajudar a ter sucesso se mexer noutras coisas que são fundamentais. As políticas de incentivos fiscais não podem ser o único modelo, nem o principal. Não têm poder para alterar a situação.

Seja em que sector for, a simples produção é absolutamente secundária: tem que haver cultura, criatividade e conhecimento sobre os bens e serviços e têm que se conhecer as reais necessidades dos mercados. Isto requer colaboração entre empresas e centros efectivos de conhecimento, diferenciação dos produtos.

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