Taxa turística de Lisboa "não tem fundamento legal", diz jurista

Ricardo Morgado lembra que não se pode presumir que quem entra na capital vai "beneficiar de um conjunto de serviços turísticos" associados à taxa.

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Taxa Municipal Turística foi aprovada há três anos e tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo Nelson Garrido

O jurista Ricardo Morgado, que analisou o enquadramento legal da taxa turística de Lisboa, chegou à conclusão de que "não é uma verdadeira taxa", por não estar associada a nenhum serviço, tanto a dormidas como a chegadas.

"Efectivamente, não estamos perante uma verdadeira taxa. No caso da taxa de dormida, estamos perante um tributo que se dirige a quem fica alojado em Lisboa, sendo presumível que quem permaneça num determinado local vai desfrutar de um conjunto de serviços turísticos [...] que o município de Lisboa lhe proporciona", disse o especialista, em declarações à agência Lusa. Contudo, "a presunção de que quem pernoita num alojamento turístico ou de alojamento local beneficia, a título directo e pessoal, de um serviço público prestado pelo município é [...] demasiado fraca", sustentou, exemplificando que o visitante usufrui de serviços como o tratamento e a gestão de resíduos, o saneamento e a higiene urbana, mas "não pode ser taxado", por o estabelecimento onde está alojado já pagar tais taxas.

Na óptica de Ricardo Morgado, esta "é uma fragilidade que pode ser transposta para a taxa de chegadas, quer por via aérea, quer por via portuária, porque [não se pode] presumir que quem entra pelo aeroporto internacional de Lisboa ou pelo Porto de Lisboa vai, necessariamente, beneficiar de um conjunto de serviços turísticos".

Morador na capital, o jurista observou estes dados no âmbito da tese de mestrado em Direito na Universidade Católica do Porto, apresentada em Novembro de 2015. Na semana passada, publicou as conclusões num livro sobre a A Tributação Turística Municipal: o Caso do Município de Lisboa. "Considerando que as taxas visam compensar, sobretudo, um conjunto de prestações difusas a que se reportam [...], tem de haver um benefício associado" e isso não se verifica, defendeu.

A criação da Taxa Municipal Turística foi aprovada há três anos. Nessa altura, previa-se que, com a entrada em vigor do orçamento para 2015, houvesse a cobrança de um euro a quem chegasse ao aeroporto ou ao porto da capital e de um euro por noite sobre as dormidas. A metodologia foi, contudo, alterada e, durante esse ano, a responsabilidade do pagamento foi assumida pela ANA — Aeroportos de Portugal, na sequência de um acordo realizado entre a gestora de aeroportos e o município. Depois, a ANA mostrou-se indisponível para o continuar a fazer e, também devido à falta de acordo com operadores do Porto de Lisboa, a taxa sobre as chegadas ainda não entrou em funcionamento, apesar de continuar prevista.

Por seu lado, desde Janeiro de 2016 que está em vigor a taxa sobre as dormidas de turistas nacionais, incluindo lisboetas, e estrangeiros nas unidades hoteleiras e de alojamento local, sendo cobrado um euro por noite até ao máximo de sete euros.

"A arquitectura jurídica encontrada para esta taxa turística [...] nasce de um problema-base que é o facto de, não sendo verdadeiramente uma taxa, ter de ter um fundamento legal, e não tem", observou Ricardo Morgado. Como alternativa, o jurista sugeriu, para o caso da taxa sobre as dormidas, a criação de "uma lei que crie um enquadramento legal base que sirva até para o florescimento de outras taxas noutras câmaras municipais".

Menos optimista se mostrou em relação à taxa sobre as chegadas, admitindo que é "muito difícil, para não dizer impossível, a sua aplicação tal como está construída actualmente", dada a complexidade em confirmar se o visitante vem ou não a Lisboa para fins turísticos.

O valor arrecadado reverte para o Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa, criado para financiar investimentos na cidade. Segundo Ricardo Morgado, também o fundo apresenta problemas legais, por estar associado a uma consignação da receita. "O princípio da não consignação refere que não se pode afectar o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas", assinalou, frisando que tal directiva "é violada" pela autarquia.

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