Silva Carvalho lamenta relatório sobre vida privada de Balsemão, mas nega responsabilidade

“Esse relatório era tipo lixo. Era acintoso e fraco, e tinha um certo aspecto manhoso. O que mais me custa é ter sido encontrado na minha posse”, diz antigo chefe das secretas nas suas primeiras declarações no julgamento.

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Jorge SIlva Carvalho Enric Vives-Rubio

O antigo chefe das secretas Jorge Silva Carvalho, a ser julgado por violação do segredo de Estado e corrupção, entre outros crimes, lamentou esta segunda-feira em tribunal que tivesse sido encontrado no seu computador pelas autoridades um relatório sobre a vida privada de Francisco Pinto Balsemão. Mas negou ter tido qualquer responsabilidade nisso: assegurou aos juízes que não foi ele a encomendar a terceiros e muito menos a escrever um documento que classificou como sendo lixo.

Quando o relatório foi descoberto em 2012 no seu correio electrónico já Silva Carvalho tinha saído do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e ingressado no grupo privado Ongoing, que tentava apoderar-se na altura da Impresa liderada por Balsemão. Silva Carvalho disse em tribunal que era habitual a Ongoing encomendar relatórios sobre outras empresas, de modo a estar bem informada sobre as mesmas quando quisesse entrar no seu capital ou estabelecer negócios com elas. Foi o que sucedeu.

Acontece que o documento em questão – partes do qual acabaram por ser publicadas na Internet e nalguns jornais – continha as mais variadas informações sobre a vida pública mas também privada do antigo primeiro-ministro: nome dos filhos, dos amigos e até dos inimigos, entre outros dados – incluindo rumores com pormenores sórdidos. Balsemão processou Silva Carvalho por devassa da vida privada e exige-lhe uma indemnização de 50 mil euros, que entregará a uma instituição de solidariedade caso a justiça lhe dê razão.

“Esse relatório era tipo lixo. Era acintoso e fraco, do ponto de vista da sua utilidade e tinha um certo aspecto manhoso. O que mais me custa é ter sido encontrado na minha posse”, observou o arguido esta segunda-feira, em resposta a uma pergunta do advogado de Balsemão, Rui Patrício. Na sua versão dos factos, foi-lhe parar às  mãos como iam tantos outros do mesmo género, vindos de firmas contratada para os produzir que tinham “jornalistas a trabalhar para elas”.

Encaminhou o documento para um colega e não terá pensado mais nisso senão quando o caso se tornou público. Nas palavras de Silva Carvalho, só a parte que dizia respeito aos amigos e às relações de poder de Balsemão podia ter algum interesse para a Ongoing e nunca as alusões, mencionadas como sendo de fonte segura, à suposta dependência do ex-primeiro-ministro da cocaína.

Usando prerrogativa decorrente do facto de ser membro do Conselho de Estado, Balsemão não foi ao tribunal, tendo feito chegar aos juízes um depoimento escrito no qual afirma que a estratégia da Ongoing passava por "debilitar e enfraquecer as sociedades do universo Impresa e degradar o seu bom nome", por forma a pressioná-lo a vender as suas acções. "Vivi dias de particular ansiedade, desconforto e abalo emocional nos dias subsequentes à divulgação do relatório", descreve. "A minha família, particularmente os meus filhos, viram-se confrontados com afirmações profundamente ofensivas do meu bom nome e devassadoras da minha vida pessoal, familiar, sexual e política". 

Não havendo forma de determinar em tribunal a autoria do documento, que Silva Carvalho afiança ter sido encomendado por um colega seu a uma das empresas avençadas da Ongoing que lhe costumavam fornecer este tipo de serviço, restará saber se a sua mera posse será ilícita. Para o patrão da Impresa, o argumento segundo o qual gravar um documento no computador não ofende ninguém "não cola", uma vez que o relatório foi objecto de ampla divulgação na blogosfera e na imprensa escrita.

Esta segunda-feira foi a primeira vez que Jorge Silva Carvalho depôs em tribunal no chamado julgamento das secretas, a cujo processo foi apensa a queixa-crime de Balsemão. Tanto o antigo espião como outros arguidos têm-se recusado a falar dos restantes factos de que são acusados por entenderem que isso pode violar o segredo de Estado no que respeita aos actos que praticaram quando estavam no Serviço de Informações Estratégicas de Defesa. O tribunal está à espera que o primeiro-ministro levante o segredo de Estado nestas matérias.

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