Senhores taxistas, há lugar para todos

"Vá, ofereçam um serviço de qualidade, ensinai os vossos profissionais a não fazer dissertações sobre 'no tempo do Salazar é que era bom".

Às 7h10 estou a ler no site do PÚBLICO sobre o protesto dos taxistas e procuro avidamente a informação sobre o percurso da marcha lenta. "OK, não me vou cruzar com eles", penso, satisfeita, depois de olhar para a infografia.

Vou para o Estádio Nacional, tenho de lá estar às 8h. Saio às 7h30, o percurso é o de sempre: apanhar a Avenida da República, em direcção ao túnel do Marquês, fazer o túnel com medo de ultrapassar os 50km/hora, não vá aparecer mais uma multa lá em casa, seguir no viaduto Duarte Pacheco. Do outro lado, para quem vai entrar na cidade, o trânsito está completamente parado. Faço a seguinte nota mental: "Não posso voltar por aqui."

Não se vê um único táxi, nem na avenida, nem no túnel... só na saída para Carnaxide. "Ei, vais enganado, a marcha lenta começa no Parque das Nações!", atiro-lhe, sem abrir sequer a janela, não é para ele, nem para ninguém ouvir. No trânsito gosto de fazer longos monólogos.

Saio para o Estádio Nacional e é precisamente aí que começa a fila, devagar, devagarinho na avenida Pierre de Coubertin, o fundador dos Jogos Olímpicos modernos, o criador do Pentatlo Moderno, a modalidade que tantas vezes me leva até àquelas paragens. Chego dez minutos depois da hora prevista. A culpa não é dos taxistas, nem da sua marcha lenta, mas do trânsito de todas as manhãs, dos que inventam caminhos para chegar mais depressa ao trabalho. Amaldiçoo-os a todos, de dentro do carro, de vidros fechados: "Espertinhos, com a mania de fugir ao trânsito, condicionam esta treta toda..." Treta, porque ainda é de manhã, à tarde utilizaria um sinónimo mais pesado.

Feitos todos os recados, sento-me no carro e penso nos vários caminhos. O mais directo seria pelo viaduto Duarte Pacheco, o que está congestionado, informa-me o rádio. Por Monsanto e apanho o Eixo Norte-Sul ou a Segunda Circular? Não... Lá estarão todos os que vêm da margem Sul ou da linha de Sintra. "Paciência, vou por baixo", que é o mesmo que dizer, por Algés em direcção ao Cais do Sodré.

A TSF está em directo da marcha lenta e ouve dois taxistas com o pensamento desarticulado, incapazes de explicar realmente o que os faz estar ali. É uma profissional do Norte, de Valongo, no protesto do Porto, que sabe expor os argumentos.

Se fosse o fórum do Manuel Acácio, que está quase a começar, ligar-lhe-ia, mas o tema vai ser outro, constato. E inicio um solilóquio, já que estou presa no trânsito – o normal da cidade e não o provocado pela marcha lenta, que já começou, mas está a chegar ao aeroporto e eu venho em sentido contrário. Assim diria: "Senhores, tendes de vos adaptar! Nós, os dos jornais caímos em crise, por causa da Internet; a mesma que deixou entrar negócios que deram cabo das agências de viagens pois podemos nós marcar tudo, do avião ao alojamento; a mesma que permite ter a Uber. Tendes de procurar um caminho, de seguir em frente e não de marchas lentas. Vá, ofereçam um serviço de qualidade, ensinai os vossos profissionais a não fazer dissertações sobre 'no tempo do Salazar é que era bom', a não tentar enganar-nos por caminhos enviesados quando nós conhecemos tão bem a cidade , a não nos obrigarem a ouvir Rádio Amália. Adaptem-se e vão ver que há lugar para todos, para os taxistas e para as notícias gratuitas.

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