Segurança Social condenada em tribunal por causa de subsídio para ensino especial

Os números são divergentes: associação diz que entre Maio e Julho houve 22 sentenças favoráveis aos pais. ISS garante que só em nove dos 240 processos de que foi notificado desde 2012 teve de fazer nova avaliação das crianças.

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O subsídio de educação especial pode ir, no máximo, até aos 3000 euros por ano Paulo Pimenta

Julho de 2016: o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela analisa o caso de uma criança de 9 anos que, segundo se lê na sentença, “possui uma comprovada deficiência em aspectos comunicativos e de interacção social e de adaptação”. Os pais do menor tinham visto ser-lhes negado pela Segurança Social o subsídio de educação especial. E o argumento usado para o chumbo foi este: o problema da criança era de “foro clínico e não pedagógico”, pelo que devia antes recorrer ao médico assistente.

O TAF teve outro entendimento: a deficiência da criança “tem reflexos na integração social” da mesma. A escola dela “não garante o apoio necessário” a essa integração, ou seja, neste caso, o apoio individualizado de um psicólogo. Pelo que o Instituto de Segurança Social (ISS) é condenado “a atribuir o subsídio em causa”.

O subsídio de educação especial destina-se a apoiar as famílias a pagar formas específicas de apoio a crianças e jovens com deficiência, designadamente a frequência de estabelecimentos de ensino adequados, ou de um técnico especialista que a escola do ensino regular não disponibilize. O apoio “não se aplica apenas a fins pedagógicos, mas também a finalidades terapêuticas”, sublinha o TAF de Mirandela.

Como esta sentença “há muitas”, garante Bruno de Carvalho, presidente da direcção da Associação Nacional de Empresas de Apoio Especializado (ANEAE), que representa clínicas e centros terapêuticos que, por força de uma alteração de procedimentos de avaliação das crianças e jovens requerentes deste subsídio, em 2013, têm vindo a perder clientes. É que, diz, muitos pais perderam o subsídio nos últimos anos. E deixaram de poder pagar os apoios — um terapeuta da fala, ou um psicólogo, por exemplo.

As clínicas perderam, “algumas fecharam, mas sobretudo perderam as crianças”, diz Bruno Carvalho. Por isso, a associação diz que prestou apoio jurídico “a centenas de pais” que viram indeferido o subsídio estatal.

“Na maioria dos casos, os tribunais deram razão às famílias”, afirma, disponibilizando ao PÚBLICO a sentença do TAF de Mirandela e excertos de uma outra, de que se falará mais à frente.

Mas esta afirmação é contrariada pelo ISS. Que diz que “desde 2012” foi “notificado para cerca de 240 processos interpostos junto das instâncias judiciais, relacionados com a atribuição do subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial” — também designado subsídio de educação especial. “Cerca de 96% dos processos que já foram decididos, e que transitaram em julgado, foram favoráveis à Segurança Social”, prossegue o ISS em nota escrita ao PÚBLICO.

Ou seja, nestas contas, só em nove processos, no total, o ISS teve de “realizar diligências instrutórias e complementares no que respeita à avaliação clínica dos beneficiários por equipa multidisciplinar”. Sendo que apenas outros nove estão “ainda por decidir nas instâncias judiciais”.

Bruno Carvalho contesta estes dados. “Não obstante a dificuldade de contactar muitos dos nossos associados, consegui apurar junto de alguns que só entre Maio e Julho deste ano foram recepcionadas 22 sentenças procedentes, com origem nos tribunais administrativos e fiscais de Braga, Penafiel e Mirandela”, diz.

Outra sentença: reavalie-se

O dirigente associativo afirma que nos meses anteriores outras sentenças favoráveis às famílias já tinham sido conhecidas. Nuns casos, continua, mandam o ISS pagar o subsídio, noutros mandam-no reavaliar as crianças. Por isso não entende como é que o ISS fala em 96% de processos favoráveis.

Bruno Carvalho diz que também não compreende a forma como o ISS faz a contabilidade de casos. “Ao retroagir a 2012, fá-lo deliberadamente para ‘meter no mesmo saco’” outros processos. Sublinha que as impugnações sobre os actos que decorreram da aplicação do protocolo celebrado entre a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) e o ISS, de Outubro de 2013 (o tal que alterou os procedimentos de avaliação), só podem ser posteriores a esta data.

Questionado na semana passada pelo PÚBLICO sobre todas estas dúvidas, o ISS não esclareceu. Não confirmou se os 240 processos de que fala dizem respeito, de facto, ao modo como as incapacidades das crianças foram avaliadas, ou se incluem processos por outras razões, ou por que razão sentenças como a do TAF de Mirandela, que mandam simplesmente pagar o subsídio, não estão, pelo menos aparentemente, contabilizadas nos números fornecidos ao PÚBLICO.

A polémica iniciou-se, como se disse, em 2013, com a assinatura do protocolo da DGEstE com o ISS que fez com que a proposta de atribuição do subsídio a crianças com deficiência passasse a ser feita, sobretudo, no âmbito de equipas multidisciplinares nas escolas e não por médicos especialistas. Os partidos de oposição insurgiram-se. A ANEAE também. Muitas crianças perderam a prestação — em 2012 cerca de 15.500 crianças recebiam, em 2015 eram menos 5300. “Uma criança com fenda palatina, podia ser bom aluno, não estava sinalizado como tendo necessidade educativa especial pela escola mas precisava de um terapeuta da fala... Deixou de receber subsídio”, exemplifica Bruno Carvalho.

Alegando que a mudança ia ao arrepio de uma lei de 1981 — que falava da necessidade de haver uma declaração de um médico — iniciaram-se os processos na Justiça. Uma sentença de Dezembro, do TAF de Braga, considera que a administração comete uma ilegalidade ao negar o subsídio a um menor que não foi avaliado por “equipa médico-pedagógica” ou “médico especialista”. E, no caso em concreto, manda o ISS proceder a essa avaliação.

Questionado pelo PÚBLICO o especialista em direito administrativo Diogo Duarte de Campos, da sociedade de advogados PLMJ, explica que não há, em princípio, lugar a recurso nestes processos, tendo em conta os montantes em jogo (o subsídio de educação especial pode ir, no máximo, até aos 3000 euros por ano). O especialista lembra contudo que desconhece os contornos destes casos, pelo que não pode dar uma resposta definitiva.

Problema resolvido?

Na semana passada foi publicado um diploma que define claramente que tem de ser um “médico especialista” a comprovar o estado de “redução permanente de capacidade” da criança ou jovem candidato ao subsídio e a definir o tipo de apoios específicos que as crianças devem ter. Apesar de não ser pacífico entre alguns especialistas, Bruno Carvalho aplaude este diploma.

“É uma evolução na clarificação dos termos e condições para atribuição.” E levanta uma questão: “Se os processos em tribunal fossem de facto favoráveis à avaliação das crianças com deficiência pelas escolas", que foi o que originou a polémica, "para que é que se tinha alterado a legislação agora” estabelecendo que têm de ser médicos a avaliar?

O subsídio de educação especial é atribuído a crianças e jovens até aos 24 anos com “comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual” que não encontram, nas escolas regulares, todas as respostas de que precisam.

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