Riscos psicossociais nas profissões de serviços

Porque não se transformou, ainda, o conhecimento existente em prevenção?

A propósito de diversos estudos recentes sobre riscos psicossociais nos profissionais de saúde, alguns patrocinados pela Ordem dos Médicos, e de algumas notícias que dão conta de diversos suicídios na Guarda Nacional Republicana e Polícia de Segurança Pública, apraz-me fazer o presente comentário, o qual, sendo embora pensado em primeiro lugar para o que se passa nos serviços de saúde, é aplicável, com as necessárias adaptações, aos demais locais de trabalho, em especial aos locais de trabalho integrados na Gestão Pública.

Com o advento da Sociedade Relacional (Pierpaolo Donati, 2014), e o consequente aumento e complexificação das interações sociais, os riscos psicossociais no trabalho têm vindo a aumentar e a afetar cada vez mais trabalhadores, em particular os trabalhadores dos serviços e, dentro destes, os profissionais de saúde, da educação e forças policiais.

O stresse ocupacional (psicossocial), o sofrimento psicossocial, a violência no trabalho, o assédio moral, o assédio sexual, a síndrome de burnout, a síndrome de boreout, a adição ao trabalho, as adições psicossociais (tabagismo, alcoolismo, drogas), os riscos do trabalho emocional, os riscos de articulação família-trabalho, são alguns dos riscos psicossociais emergentes das novas formas de organização e do novo conteúdo do trabalho.

É vasta a literatura, e o número de estudos, que aponta os profissionais dos serviços, em particular os profissionais de saúde, como sendo dos trabalhadores que mais sofrem com algum, ou vários, daqueles riscos. Dizia um investigador sueco, em 2007 (Hanson, Workplace Health Promotion. A Salutogenic Approach. Bloomington, Indiana, EUA, AuthorHouse), a propósito de tão abundante literatura, que “provavelmente, todos possuem já o necessário saber acerca do que fazer”. Sabemos, por exemplo: a) que existe o dever legal de prevenção deste tipo de riscos por parte de qualquer empregador b) que riscos devem ser avaliados; c) quais os profissionais e os locais de trabalho mais atingidos; d) que consequências têm os riscos psicossociais no trabalho para os indivíduos, as organizações e a sociedade; e) que métodos devem ser utilizados para avaliar e gerir os riscos psicossociais.

Sabendo nós o que fazer, cabe perguntar, então, porque não se transformou, ainda, o conhecimento existente em prevenção efetiva?

“Provavelmente porque é mais difícil encontrar soluções acerca do como fazer”, dizia o mesmo investigador. O como, aqui, deve entender-se como referido mais à estratégia a seguir do que aos métodos ou técnicas a aplicar. A estratégia deve, desde logo, identificar que competências e atitudes devem ter os gestores para lidarem com este tipo de riscos; que a gestão dos riscos psicossociais, como sucede com a gestão de qualquer tipo de risco ocupacional (v.g., físicos, químicos ou biológicos), requer uma abordagem organizacional e de gestão, a incidir prioritariamente sobre o ambiente e as condições de trabalho e não apenas sobre o indivíduo.

Esta abordagem exige, nomeadamente, que a organização (Hospital, Escola, GNR, PSP): a) faça aprovar uma política escrita de prevenção de riscos psicossociais; b) crie, no âmbito do serviço de prevenção de riscos profissionais, uma estrutura especializada em prevenção de riscos psicossociais no trabalho (Psicologia/Psicólogo da Saúde Ocupacional); c) faça envolver todos os interessados, em especial, os gestores intermédios e trabalhadores, no processo de gestão preventiva.

Cabe, em particular às Ordens Profissionais e aos sindicatos, um papel importante em fazer notar, a quem de direito (tutela, empregador), a necessidade de uma abordagem deste tipo como requisito de eficácia da prevenção, e, bem ainda, exigir que sejam criadas condições de trabalho seguras e saudáveis em todos os locais de trabalho, também quanto aos aspetos psicossociais.

Às respetivas tutelas, em particular aos Ministérios da Saúde e do Trabalho, cabe o dever de cumprir e fazer cumprir a legislação e as orientações internacionais, designadamente, as emanadas da Organização Internacional do Trabalho, da Organização Mundial da Saúde e da Agência Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho.

No Pacto Europeu para a Saúde Mental e o Bem-Estar, de 2008, pode ler-se, relativamente ao trabalho e aos riscos psicossociais, o compromisso subscrito por todos os Ministros da Saúde da União Europeia, em “melhorar a organização no trabalho, a cultura organizacional e as práticas na liderança para promover o bem-estar mental no trabalho, incluindo a reconciliação do trabalho com a família” e “implementar programas de saúde mental e bem-estar com avaliação do risco e programas de prevenção para situações que possam causar efeitos adversos na saúde mental dos trabalhadores (stresse, comportamento abusivo como a violência ou assédio no trabalho, álcool, drogas) e mecanismos de intervenção precoce nos locais de trabalho”.

Pois, que assim seja.

Administrador Hospitalar/Docente Universitário

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