Restaurar a partir de uma cópia antiga

Desde que tenho um iPhone que sei que, mais cedo ou mais tarde, a minha mulher vai exigir o divórcio. A culpa é de uma funcionalidade do aparelho.

(Não é, posso garantir, a aplicação que vai permitir enviar cheiros pelo telefone. É falso que haja um problema de odores cá em casa. É falso que a minha alcunha seja Feromonas Assassinas. É falso que a minha mulher use canários para saber se pode entrar no nosso quarto. Também não é por causa do meu vício no jogo 2048, uma espécie de Sudoku amancebado com Tetris, divertimento para TOC [Técnicos Oficiais de Contas] maníacos que têm de fazer com que os números batam certos, mas que acabam invariavelmente por perder o controlo, como um contabilista do BES.)

Refiro-me à funcionalidade que permite instalar, num telefone novo, tudo o que tínhamos no antigo. Hoje em dia, mudar de telefone já não é uma maçada. Podemos copiar tudo o que tínhamos no antigo e passar para o novo. Não perdemos contactos, mensagens, notas, aplicações, fotografias, nada.

Tenho a certeza de que a minha mulher só não me pôs a andar por causa do tempo que já gastou a treinar-me e do trabalho que teria a formar um substituto. Se calha disponibilizarem este serviço para maridos, estou tramado.

Durante anos, a minha mulher doutrinou-me numa série de questões domésticas e fez de mim um marido aceitável. Hoje em dia ela quase não precisa gritar para eu substituir o rolo de papel higiénico. Também aprendi a dobrar roupa antes de a meter na gaveta. Lembro-me da conversa como se fosse hoje:

— Achas que isto está bem dobrado?

— Não, uma vez que nem sequer está dobrado. Está enfiado.

— És uma besta.

Sou, actualmente, dos melhores maridos do mundo a fingir-se atento a séries que as mulheres acompanham. Não percebo como é que não há um grupo de cientistas a estudar esta minha capacidade. “Simulação de interesse por banda de cônjuges em drama televisivo por episódios — Um estudo”. O truque é, em cada episódio, fazer uma pergunta específica sobre um protagonista, mas suficientemente genérica para se adaptar a qualquer outra personagem. Tipo: “Este não tinha morrido?” ou “Como é que ela volta sempre para este rapaz, que a trata tão mal?” Posso dizer que vi desta forma todas as temporadas de A Anatomia de Grey e nem sei qual dos polícias é o Grey.

Até agora tenho-me sentido seguro. Mas durante quanto tempo? Imagino a coisa a passar-se assim: a minha mulher olha para mim com o seu típico ar de desprezo, mas desta feita não me diz para tirar os pés de cima da mesinha, nem para parar de dar traques. Sai de casa e, passados cinco minutos, volta com um indivíduo. Mais jovem, mais bonito, mais alto. Liga-o a um cabo USB e, passado um bocado, o rapaz vem ter comigo e diz: “Tenho imensa pena, pá, mas tens de ir embora. Aqui entre nós, ia contigo beber uma cerveja, mas tenho medo da reacção dela. Acho que me pode bater.” Então saberei que, em dois minutos, ele absorveu via USB tudo aquilo que a minha mulher levou anos a ensinar-me.     

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