Reportagem: um enorme e pacifico protesto contra o Governo

Foto
A manifestação começou modesta mas depois atingiu níveis históricos Daniel Rocha

Arménio Amaral levanta no ar um cartaz escrito à mão. “Eu que votei neles até me apetece ‘matá-los’”. “Eles”, explicou, são “os socialistas” e são as políticas deles que levaram este reformado de 63 anos à lisboeta Avenida da Liberdade. A ele e “a mais de 200 mil pessoas”, segundo os promotores da marcha da “geração à rasca”, que se transformou num enorme e pacifico protesto contra o Governo.

A marcha arrancou pouco depois das 15h. Os presentes não eram mais de dois mil. Cerca de 30 minutos depois, os dois mil deram lugar a um mar de gente. Dezenas de milhares de pessoas que quase encheram a longa e larga Avenida da Liberdade.

Políticos conhecidos eram muito poucos. Jovens deputados do Bloco de Esquerda e do PCP, ex-candidatos presidenciais, como José Manuel Coelho e Garcia Pereira, dirigentes da Juventude Social Democrata, sindicalistas da CGTP-IN, marcaram presença, mas de forma discreta.

A manifestação era da chamada “geração à rasca”. Dos jovens precários e sem emprego. Mas a eles juntou-se gente de todas as idades. Gente com emprego, mas descontente com o Governo e que fazia questão de o dizer em centenas de folhas de papel com frases contra o Executivo e contra o primeiro-ministro e que faziam questão de ostentar.

Famílias inteiras a gritarem a uma só voz frases como “precários nos querem, rebeldes nos terão”; “chega, basta de viver á rasca”; “com precariedade não há liberdade; “fora com os ladrões”. Ou simplesmente: “Portugal, Portugal, Portugal”.

Mas também havia gente da política. Da extrema-esquerda à extrema-direita. A chegada de um grupo de jovens de cabeças rapadas, todos vestidos de negro e com bandeiras pretas nas mãos, “gelou”, logo no início da marcha, muitos dos presentes. Num minuto todos os gritos e cânticos pararam, mas os homens de negro que se disseram “nacionalistas” acabaram por integrar o protesto sem incidentes.

Nuno Cláudio Cerejeira veste uma t-shirt com a cara de Hitler e de Mussolini. Tem os braços e a cabeça rapada quase totalmente tatuados. É uma espécie de líder do grupo das bandeiras negras. O seu discurso é radical. “A minha t-shirt fala por mim. Sou um libertário nacional-socialista. E estou aqui porque isto tem de mudar. Revolta-me que a população portuguesa não tenha tomates para se revoltar. E a revolta já não é só com palavras. É armada, para acabar com os chulos da maçonaria que mandam neste país e com os políticos que só roubam”, disse ao PÚBLICO.

As suas palavras radicais contrastavam com a festa que animou a marcha. Havia bandas de música, tambores, gente de guitarra na mão a cantar e os Homens da Luta, que recentemente ganharam o Festival da Canção, numa enorme algazarra. E gente a dançar. Milhares de pessoas a dançar e a gritar palavras de ordem.

“A luta também é festa porque é pacifica. Todos nós somos gente de paz que só quer uma vida melhor. Que quer um emprego. Quer que o Governo nos olhe como gente. Que olhe para os nossos velhos que estão a morrer à fome. Que nos olhe como gente e não como números. Veja, não estão aqui só precários. Está aqui Portugal inteiro. A rua é nossa e o Governo tem de nos ouvir”, diz Catarina Pereira, 19 anos, estudante de direito.

Também Arménio Amaral quer uma vida melhor. Para ele, que diz “sobreviver com uma pensão de 250 euros”, e para os seus netos. “Não quero que eles [os netos] vivam à rasca”, diz.

E foi num ambiente de festa que a cabeça da marcha chegou ao Rossio, por volta das 16h30. Uma hora depois ainda havia gente a descer a Avenida da Liberdade. O Rossio encheu em minutos e a multidão estendeu-se até meio da Praça dos Restauradores.

Os três jovens que convocaram o protesto falaram aos presentes, mas o barulho da festa abafou-lhes as palavras. João Labrincha, que criou a página no Facebook a convocar os portugueses para a marcha, disse esperar que o protesto “mude as coisas para melhor”. Recusa protagonismo, porque, acrescentou, “os protagonistas são todos os que estiveram presentes. “Mais de 200 mil só em Lisboa”. O sub-comissário Freixedelo, da PSP, disse ao PÚBLICO que “estiveram mais de 100 mil” pessoas.

Sugerir correcção
Comentar