Realidade escondida

Em 29 de Maio, realizou-se, na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), o Encontro Jovens em Acolhimento Institucional. Esta reunião fez parte do Programa Crianças e Jovens em Risco, da FCG, cuja coordenação tem estado a meu cargo.

Os jovens estão em instituições por decisão dos tribunais, quando a sua situação familiar não fornece um meio adequado para o seu desenvolvimento e são considerados “em perigo”. Embora a natalidade esteja a diminuir e cada vez existam menos crianças, os jovens institucionalizados continuam a ser milhares. Deveria ser um assunto muito discutido e partilhado, mas infelizmente não é assim: o que se passa nos Lares de Infância e Juventude e nos Centros de Acolhimento Temporário constitui uma realidade escondida.

No encontro referido, foram apresentadas quatro comunicações, da responsabilidade das quatro instituições apoiadas pelo Programa da FCG. A Associação de Solidariedade Social Vila Nova, de Vila Real, falou sobre “reconstruir laços familiares”; o Lar Oficina de S. José, de Braga, apresentou uma comunicação sobre “Autonomia de Crianças e Jovens”; a Casa do Canto, de Ansião, descreveu a sua “estrutura de apoio e aconselhamento”; e o lar Nossa Senhora de Fátima, de Reguengos de Monsaraz, discutiu “a cultura, identidade e mudança organizacionais”. Estas apresentações, seguidas de debate, permitiram à assistência um olhar mais informado sobre o quotidiano destes jovens, ponto de partida essencial para as medidas de melhoria que necessitam ser postas em prática.

A conferência de encerramento do encontro coube à procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Foi um momento alto da reunião. Sem nunca abandonar a perspectiva jurídica, apresentou uma visão progressista do problema, tendo por base os direitos fundamentais dos jovens em acolhimento institucional. Assim, considerou como fundamentais o direito à informação dos mais novos, o direito à sua privacidade e à sua autonomia, num permanente respeito pela individualidade de cada jovem. De uma forma muito clara, defendeu que as instituições “não são donas das crianças” e, por isso, não podem limitar a liberdade dos jovens recebidos através da medida de acolhimento institucional, no âmbito da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens. Manifestou-se contra a existência de “quartos de contenção”, situação que por vezes ocorre nalguns locais e que não está prevista em termos legais, embora tenha reconhecido a dificuldade de manejo de muitas situações. Na sua perspectiva, as famílias só podem ser impedidas de contactar os jovens institucionalizados por decisão expressa do tribunal, não cabendo à instituição essa decisão de impedimento.

Pela minha parte, o trabalho com as famílias destes jovens tem de ser melhorado em muitos casos, porque o retorno ao meio familiar pode ser possível (embora o vínculo biológico nunca seja o único factor a ter em conta). Também defendo a prioridade de formação, apoio e supervisão permanentes para os educadores e equipa técnica, que têm um trabalho quotidiano muito difícil. E, sobretudo, precisamos de tornar este tema menos escondido, única forma de contribuirmos para uma prática mais informada e eficiente.

Um jovem deve estar institucionalizado o menos tempo possível. Trata-se de uma situação que deve ser considerada sempre provisória. Nunca o podemos esquecer.     

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