Ramos-Horta pede absolvição de casal português retido em Timor há três anos

Tiago e Fong Fong Guerra estão acusados de crimes económicos. Ana Gomes teme que o julgamento esteja a ser “instrumentalizado politicamente”.

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O casal português durante uma das sessões do julgamento em Díli NUNO VEIGA/Lusa

José Ramos-Horta, antigo presente de Timor-Leste, pede aos juízes que os dois portugueses retidos no país há quase três anos sejam absolvidos das acusações dos crimes de peculato e branqueamento de capitais pelos quais estão a ser julgados. A eurodeputada Ana Gomes também diz que o casal “não é responsável” pelas acusações que lhe são imputadas e afirma temer que o processo esteja a ser usado “para ajustes de contas políticos”.

Na passada quinta-feira o casal Tiago e Fong Fong Guerra viram adiada a leitura da sentença pela quarta vez, desta feita por o colectivo de juízes ter decretado uma alteração da qualificação jurídica da acusação, num aspecto central no caso.

Na sexta-feira, Ramos-Horta, que já tinha feito várias declarações públicas em defesa do casal, num comentário no Facebook afirmou que “os meritíssimos juízes do Tribunal Distrital de Díli fariam justiça, na total dimensão da justiça, se declararem o casal Guerra inocente”.

Tiago e Fong Fong Guerra foram detidos no Aeroporto de Díli a 18 de Outubro de 2014. Tiago esteve em prisão preventiva até 16 de Junho de 2015. A partir daqui, o casal ficou com termo de identidade e residência, com obrigação de se apresentar às autoridades semanalmente, e impedido de sair do país. Depois de adiada por quatro vezes, a leitura da sentença terá agora lugar até ao dia 24 deste mês.

O casal foi acusado já este ano pelo Ministério Público (MP) timorense dos crimes de peculato e branqueamento de capitais, relacionados com uma transferência de 859.706 dólares (cerca de 792 mil euros), feita em 2011 a pedido de um consultor nigeriano, Bobby Boye, para a conta de uma empresa da sua mulher de Tiago Guerra com sede em Macau. Segundo a defesa, o dinheiro da transferência saiu da Noruega para Macau e daqui para os Estados Unidos

O consultor nigeriano está actualmente preso nos Estados Unidos por defraudar Timor-Leste em 3,5 milhões de dólares (3,2 milhões de euros). Este consultor trabalhou com o Governo timorense na recuperação de impostos devidos ao país por empresas petrolíferas, primeiro integrado na cooperação norueguesa e depois em colaboração directa com o executivo de Timor.

A defesa nega todas as acusações e assegura que nunca ficou provado em tribunal que o dinheiro da transferência pertencesse ao Governo Timorense.

Presidentes “preocupados”

O antigo Presidente da República Cavaco Silva e o actual Presidente Marcelo Rebelo de Sousa fizeram saber aos seus homólogos timorenses, estarem “preocupados” com a situação do casal. O mesmo já fizerem membros do anterior e actual Governo de Portugal.

Em várias sessões do julgamento e nas adiadas leituras da sentença estiveram presentes no tribunal em solidariedade com casal membros da embaixada de Portugal e de outras representações diplomáticas, da União europeia, das Nações Unidas e do Banco Mundial.

Ramos-Horta, que também já se deslocou ao tribunal, diz agora que Boby Boyce é “um charlatão que burlou o Estado timorense, falsificou documentos, fez branqueamento de dinheiro”.

“Esse bandido ludibriou e causou males muito grandes a toda a família de Tiago Guerra. A família de Tiago Guerra já sofreu demais pelo azar de se ter cruzado com este charlatão nigeriano – e já pagou um preço elevado”, acrescenta o Prémio Nobel da Paz.

Ramos-Horta diz fazer o apelo pela absolvição como “um dos fundadores do país”. "Sempre sonhei que no Timor-Leste livre nós seriamos uma sociedade solidária e generosa, onde prevalece uma justiça verdadeira justa e não cega e cruel”.

Ana Gomes “estarrecida”

A eurodeputada socialista Ana Gomes estava em Timor como observadora da União Europeia às eleições legislativas do país em Julho e assistiu a uma das sessões em que a leitura da sentença foi adiada no dia 24 de Julho. Diz ter ficado “estarrecida”. “O caso tinha sido encerrado e, de repente, a leitura da sentença é adiada porque a acusação diz ter provas novas, que a defesa diz não terem nada de novo.”

A antiga embaixadora de Portugal na Indonésia diz acompanhar o processo há “bastante tempo” e fala em peças processuais “incompreensíveis e vergonhosas”, feitas por “quem nem português sabe escrever”.

Ana Gomes sublinha também temer que “o julgamento esteja a ser instrumentalizado politicamente por pessoas próximas da Fretilin [partido histórico timorense que ganhou as eleições do mês passado] que usam a justiça e este processo para ajustes de contas políticos com outras frentes partidárias”.

A eurodeputada acrescenta que “está mais que provado que o casal não tem responsabilidades” nos factos que lhes são imputados. Afirma ainda ter “informações de diversas fontes” de que a procuradora timorense que dirige o processo está a ser ajudada “por agentes da justiça portuguesa, em particular uma agente, que foi expulsa” de Timor em 2014, quando da polémica entre os juízes dos dois países. Ana Gomes recusa “para já” avançar com nomes.

Tiago Guerra, 46 anos, engenheiro de profissão com um mestrado em Finanças, e a mulher, Fong Fong Guerra, empresária de 39 anos nascida em Macau, têm dois filhos, hoje com 10 e 12 anos, que vivem com os avós — as crianças vieram para Portugal pouco tempo depois de o casal ter sido detido e visitaram os pais em Timor em algumas ocasiões.

Caso o colectivo de juízes dê razão ao Ministério Público e condene o casal, este pode recorrer da sentença para o Tribunal de Recurso.

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