Quem quer saber dos doentes?

Trata-se de refundar o Serviço Nacional Saúde de modo a que toda a sua ação se centre exclusivamente no interesse absoluto do cidadão. O sistema tem que premiar os gestores e as instituições que melhoram efetivamente a saúde coletiva.

Ao longo das últimas décadas, o diagnóstico de um cancro foi sendo sinónimo de morte. Até meados da década de ‘90, a esperança média de sobrevivência do doente com infeção por VIH e SIDA era de 18 meses. Mais uma morte anunciada, portanto. E só recentemente é que a infeção pelo vírus da hepatite C deixou igualmente de ser um prenúncio de complicações graves e de uma morte precoce.

Três exemplos, entre tantos outros, que demonstram bem o impacto vertiginoso que a evolução médica, particularmente através das tecnologias medicamentosas e outras, têm na vida de cada um de nós.

Hoje, conheço mulheres que vivem há mais de uma década com um cancro da mama graças à toma diária da terapêutica que lhes é assegurada pelo Serviço Nacional de Saúde. Convivo diariamente com pessoas que vivem há mais de 20 anos com infeção pelo VIH e com pessoas que – contrariando as suas expectativas negativas mais recentes – estão curadas da infeção pelo vírus da hepatite c.

Todas estas pessoas são cidadãos de plenos direitos e cumpridores dos seus deveres em sociedade. A sua maioria encontra-se em idade ativa, sendo tipicamente profissionais de excelência e profundamente apaixonados pela vida. A nova vida que pensavam que já não ser possível viver.

Os doentes são pessoas num estado de vulnerabilidade acrescida pela sua situação de debilidade. Como sociedade, e o Estado enquanto gestor-mor dos bens públicos, temos a obrigação de ouvir quem se vê com a sua saúde comprometida. Perante a dor e o sofrimento de quem nos rodeia, não podemos ser indiferentes.

Na sua essência, a arte médica gerou-se a partir de uma visão humanista do mundo. Enquanto uns se foram ocupando dos poderes económicos e militares, houve sempre quem não abandonasse quem mais precisa. “Quem salva uma vida será como se tivesse salvo a Humanidade”. Uma visão transversal a todo o pensamento Judaico-Cristão, mas que por vezes, frutos das múltiplas pressões da modernidade, parece que ficam remetidos ao esquecimento.

O mundo ocidental deixou de cuidar dos seus mais velhos, relevante fonte de sabedoria e experiência que pura e simplesmente descartamos. Deixamos de falar com os doentes, de auscultar quais as suas expectativas, esperanças, desejos e vontades. Iludiram-se decisores políticos e administradores hospitalares durante décadas ao terem acreditado que sistemas de saúde poderiam melhorar pela simples aplicação de ferramentas de gestão sobre processos, sem envolver os doentes. Erraram e falharam redondamente. É por isso que os custos na saúde se descontrolaram ao mesmo tempo que a carga da doença na sociedade cresce exponencialmente.

O mundo tem vindo a gastar cada vez mais recursos com a saúde e as pessoas estão cada vez mais doentes. É inegável que há avanços extraordinários e que, quando estes são colocados ao serviço de quem deles mais precisa, os resultados estão à vista. Ao longo dos últimos dois séculos, triplicamos a esperança média de vida à nascença. 

Mas chegou o momento de nos prepararmos para o futuro. Vivemos mais, mas vivemos pior. Na balança das prioridades, a qualidade de vida está longe de estar ao mesmo nível da sobrevida. Chega de nos limitarmos a sobreviver! Temos o direito a viver! Para tal, urge aprendermos com os nossos erros passados e implementarmos as tão necessárias reformas ao sistema de saúde português, sempre assentes na mais recente evidência e nos mais fidedignos dados da nossa realidade.

Trata-se, pois, do imperativo de refundarmos o Serviço Nacional Saúde de modo a que toda a sua ação se centre exclusivamente no interesse absoluto do cidadão. Para isso, temos que mudar radicalmente os modelos de financiamento de forma a assegurar que estejamos a promover a criação de valor. Ou seja, o sistema tem que premiar os gestores e as instituições que melhoram efetivamente a saúde coletiva. A saúde de cada um de nós.

Definir valor. Repensar modelos de financiamento. Gerar mecanismos sustentáveis promotores de saúde. São estes os desafios contemporâneos com os quais nos confrontamos e que justificam a necessidade de discussão e formação na área da gestão do medicamento. 

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