Que não seja “o fim disto tudo”

Estão sem dinheiro no multibanco, ainda não recuperaram a Internet e a rede de telemóvel está sempre a cair. Os concelhos de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande arderam na sua quase totalidade. E ainda não é hora de se reconstruírem.

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Frederico Batista

“Está a ver aquela faixa verde ali? É a única do concelho que falta arder”. O concelho é o pequeno de Castanheira de Pera que tem três mil habitantes que de sábado a segunda-feira estiveram isolados, sem rede, sem televisão, sem Internet, sem dinheiro nos multibancos, com ajuda tardia e que por estes dias andam de “semblante carregado” porque perderam um colega bombeiro e têm mais três em estado grave. São uma população triste e na tristeza há revolta, porque se sentem “abandonados”.

“Imagina o que passámos aqui, sem ajuda de ninguém?”, questiona Sofia. Estiveram quase 48 horas sem comunicação e com as principais estradas de acesso com cortes. “Foi horrível. Não chegavam meios, as pessoas estavam aflitas. Foi uma tragédia horrível, não chegava cá nada. Ligávamos para o 112 não era possível, as chamadas caíam”, conta Ana Morgado, sobrinha do bombeiro que faleceu. “As pessoas andavam às cegas”, continua.

Durante sábado à noite e domingo ardeu a parte sul do concelho, que liga a Pedrógão Grande. Durante esta terça-feira, começou a arder a parte norte, que liga à Serra da Lousã. Contas feitas, o presidente da Associação de Bombeiros, Baltazar Lopes, fala na possibilidade de arder 100% da área rural, a que acrescem as aldeias que arderam e as que continuam sem electricidade e sem água.

“Pode ser o fim disto tudo”, desabafa um trabalhador da câmara. A população do concelho vive sobretudo de quatro grandes empregadores: a câmara, duas fábricas e o turismo. A Serração da Moita, que trabalhava madeira, ardeu por completo; a fábrica de lanifícios Albano Morgado ficou sem telheiro e não têm esperança que o turismo regresse tão cedo. Pelo meio, há quem tenha animais e agora têm um problema adicional, não sabem o que lhes dar de comer. Chegou muita ajuda para as pessoas, mas falta para os animais.

O concelho teve apenas um dia de intervalo de descanso do fogo. Na segunda-feira, começaram o trabalho árduo de reconhecimento dos sítios mais isolados. Neste pequeno concelho, mas com muitas povoações, os serviços da Santa Casa foram porta-a-porta e encontraram três pessoas mortas em casa. O presidente da Câmara ainda não tem nem os números finais de desalojados, mas garante que “a onda de solidariedade não deixou ninguém na rua”. “Andamos numa fase de levantamento. É extremamente necessário renascer das cinzas”, diz.

Nesta terça-feira de manhã, o presidente e o comandante dos bombeiros, José Domingues, estavam mais descansados, falando apenas numa fase de rescaldo, apagando melhor o que tinha sido apagado à pressa. “Agora estamos mais pacíficos e pelo menos o pessoal que anda a trabalhar, embora com semblante carregado, perderam um colega, estão a mostrar uma coragem e uns valores fora do normal”, dizia José Domingues ao PÚBLICO.

E de repente, chegou a terça-feira ao almoço e o pior cenário começou a desenhar-se. O incêndio de Góis, que começou no Domingo e que nesse dia inspirava muitos cuidados por poder juntar-se ao de Pedrógão Grande, não parou de lavrar nem abrandou o passo e o vento deste dia empurrou-o para sul no mapa, passando a serra da Lousã.

De manhã vislumbrava-se uma coluna de fumo que começou a engrossar até que a meio da tarde já era uma manta negra que vinha da serra. Conseguir ver-se os movimentos e as tonalidades do fumo indiciava que o fogo estava próximo. Pouco tempo depois, chegava a confirmação de que a povoação de Camelo, cerca de seis pessoas, tinha de ser evacuada.

Por aqui duvida-se que o fogo tenha sido acidental: “Quando começou o fogo não havia trovoadas”, diz um popular que prefere não ser identificado. A mãe de 86 anos, que foi resgatada pela família de Carregal Cimeira, não duvida que este foco de incêndio (um pouco a norte de onde despontou o incêndio de Pedrógão) foi “fogo posto”.

Fogo posto que deixou de luto a aldeia de Sarzedas de São Pedro, de onde eram grande parte das vítimas que morreram. Esta terça-feira à tarde realizaram-se os primeiros quatro funerais, todos vítimas daquela aldeia que morreram a tentar fugir do fogo.

As más notícias podem não ter acabado para estas três mil pessoas. O bombeiro Gonçalo Conceição morreu na segunda-feira e os três companheiros estão ainda em estado grave.

O presidente da câmara sintetiza o sentimento: “Neste momento temos de encontrar forças onde não sabemos bem. Nós não sabemos nem conhecemos ninguém que saiba lidar com esta situação”.

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