“Que Justiça é esta que nos querem dar quando a tiram?”

Populações sentem-se abandonadas, mas poucos avançam para protestos. Comerciantes receiam fim de negócios. Comunidade intermunicipal vai pedir ao Provedor de Justiça e ao Presidente da República que declarem o encerramento dos tribunais “inconstitucional”

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Em Murça há quem faça contas à vida com deslocações ?a Vila Real Renato Cruz Santos
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Renato Cruz Santos

Para algumas populações do interior, o novo mapa judiciário, aprovado há dias pelo Governo, é visto acima de tudo como mais um serviço que desaparece. Depois dos Correios, das Finanças e de algumas valências na Saúde, desta vez são os tribunais.

“Que Justiça é esta que nos querem dar quando a tiram?”, lamenta Luís António, dono da Pastelaria Seara, próximo do Tribunal de Armamar. “A senhora ministra devia viver aqui uma semana. Para ver como é viver sem quase nada.”

Dos 20 tribunais que vão fechar, cinco são no Douro. Em Setembro, Mesão Frio, Murça, Saborosa, Tabuaço e Armamar despedem-se dos centenários edifícios judiciais.

No conjunto, segundo os últimos dados do Ministério da Justiça de 2012 (Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária), estes tribunais tiveram 1103 processos. Um número que resulta numa média individual abaixo dos 250 que a ministra Paula Teixeira da Cruz definiu como critério para o encerramento. Para além do volume processual, foram tidas em contas as condições rodoviárias.

“Vamos fazer tudo para evitar o fecho. Vamos começar por enviar petições ao Provedor da Justiça e ao Presidente da República para que se declare a inconstitucionalidade da decisão que mata o interior”, diz o presidente da Comunidade Intermunicipal do Douro, Francisco Lopes.

O PÚBLICO fez 350 quilómetros entre os cincos tribunais que vão fechar e se, por um lado, ouviu a revolta, registou também o desalento.

A pequena praça que envolve o tribunal de Mesão Frio – onde vivem 4400 pessoas e que regista uma média anual de 185 processos – está quase vazia. Um padeiro intriga-se com a presença de jornalistas e aproveita para perguntar o que o inquieta. “Então isto sempre fecha em Setembro?”. Sim. “É vergonhoso. Aqui, somos todos velhos e pobres. Não sei como vamos para outras terras ao tribunal”, diz António Monteiro, 77 anos.

O tribunal funciona na câmara, onde também está a GNR e um banco. “Isto foi a primeira loja do cidadão em Portugal”, graceja um funcionário. Não sabe quando vai ali deixar de trabalhar, nem para onde rumará. Só lhe disseram que os processos irão para os tribunais da Régua, Vila Real e Chaves que no mínimo fica a 20 minutos de carro, mas que no caso de Chaves obriga a uma viagem de pouco de mais de uma hora.

A justiça parece ali funcionar de forma mais ágil. Não há, como nos tribunais das grandes cidades, as grandes pilhas de processos nas secretárias. “Trabalha-se muito e bem aqui”, garante um cidadão que assoma ao balcão do tribunal.

O edifício foi requalificado há cerca de um ano. O Ministério da Justiça gastou 120 mil euros em tectos novos, ar condicionado e nova instalação eléctrica no tribunal que encerra em breve e que não paga renda à autarquia. Fonte judicial garantiu que o custo do funcionamento anual do tribunal é de 11 mil euros.

“Quando houver chatices resolvemos aqui tudo na rua?”, questiona Diamantino Custódio, 74 anos. Ao lado, a dona do Pão Quente Neto do Fadinho tem outras preocupações. “O tribunal trazia clientes. Se ele se vai embora, não sei quem vamos servir.”

Em Armamar, a preocupação é a mesma. “O negócio já não ia bem, mas ter aqui o tribunal ajudava. Queria pelo menos manter os cinco empregados no café”, diz Luís António. À porta, uma cliente queixa-se. “Isto é terrível. Estou indignada!”

“A crise que vivemos é um slogan para se fazer de tudo, inclusive fechar tribunais. Só porque sim. Abrem-se mais dependências de bancos e fecham-se tribunais”, graceja Nelson Pinto, 73 anos.

O antigo empresário já não acredita que a revolta da população venha a impedir o fecho do tribunal inaugurado em 1992 pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva. Quase 20 quilómetros depois, o sentimento é o mesmo no tribunal de Tabuaço, também inaugurado em 1992.

“Não acredito que se possa fazer alguma coisa. Mas alguém devia fazer algo. O tribunal faz falta”, diz Eduardo Santos, antigo mecânico, 62 anos, que testemunhou naquele tribunal como perito algumas vezes. Ao lado, no edifício da câmara ergue-se uma faixa negra contra o fecho, lembrando que Tabuaço tem tribunal “desde 1841”.

Já em Sabrosa, algumas comerciantes juntam-se à porta das lojas defronte do tribunal para criticar o seu encerramento. “Aqui é tudo idoso e não há transportes nem dinheiro para táxis. Um táxi para Vila Real custa 25 euros. Temos de protestar, mas quando?”, pergunta Deolinda Flamino, 58 anos.

Ao lado, Adelaide Vilela, 57 anos, dona de uma loja, avisa a colega. “Ninguém vai fazer nada. Lá em baixo em Lisboa mandam e aqui faz-se e pronto”, lamenta.

Noutra latitude, em Murça, há quem faça já contas à vida com deslocações para Vila Real. José Esteves, ex-guarda florestal de 67 anos, observa o tribunal onde tem um processo a decorrer. “Lá terei de ir para outro e gastar dinheiro, que é pouco”, critica em conversa com dois amigos.

“Construíram aqui um tribunal de raiz há 20 anos e agora fecham? Não tem sentido”, atira um deles. Também aqui é o comércio quem mais receia. “Não vai ficar aqui nada. Sem o tribunal, não vai haver clientes. Não vou aguentar”, diz o comerciante Martim Oliveira, de 65 anos, visivelmente aflito enquanto aguarda pelo fecho da porta do tribunal de Murça como quem espera desolado por uma sentença.

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