Quatro militares condenados por embebedar e agredir colega

Episódio de violência aconteceu numa camarata do Campo Militar de Santa Margarida, em Constância.

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Militar agredido no Campo Militar de Santa Margarida em 2011 teve de receber assistência hospitalar David Clifford (arquivo)

O Tribunal da Relação de Évora quis que servissem de exemplo: condenou a penas de prisão suspensas por um ano quatro militares que embebedaram e agrediram um colega, no Campo Militar de Santa Margarida, em Constância.

O acórdão, de 28 de Outubro de 2014, foi divulgado há pouco tempo. Os factos, esses, remontam a 26 de Maio de 2011.

Seriam umas 23h. Estavam quatro homens numa camarata do 1.º Batalhão de Infantaria Mecanizada, que congrega forças pesadas de choque do Exército Português, com sede no Campo Militar de Santa Margarida. De repente, entrou outro membro da mesma unidade operacional.

O recém-chegado foi convidado a juntar-se aos outros, que se entretinham a conversar e a tomar uns copos. Tentaram convencê-lo a beber, mas ele declinou. Insistiram. Ele manteve-se firme na recusa.

O documento não deixa perceber como tudo se precipitou. Refere que, a certa altura, puseram-lhe copos com sangria ou vinho na boca. Ele cuspiu. Não contentes, dois dos homens agarraram-lhe os braços e outro forçou-o a engolir um litro de vinho.

Além de bêbado, o rapaz ficou enjoado. Os outros levaram-no para a casa de banho. Um deles empurrou-o. Ele caiu. Puseram-no debaixo do chuveiro. Abriam e fechavam as torneiras de água quente e fria. Alternar água quente e fria era uma partida típica da praxe militar, proibida há anos. Chama-lhe “banho à especialista”.

Conforme se lê no acórdão, deram-lhe murros e pontapés. Enquanto lhe batiam, alguns insultavam-no. “És um comando de merda”, dizia um deles. “”Não acabaste o curso, és um comando de merda”, dizia outro. Os comandos são uma força especial do Exército com treino avançado para operações de risco elevado.Um soco na cara fê-lo ter uma  hemorragia. Deram-lhe com um cinto militar.

Deixaram-no sem forças, molhado, "quase desfalecido". na casa de banho, em cima de um colchão, debaixo de um lençol. Vestia apenas uns boxers.  Mal o encontraram, outros militares levaram-no para o hospital. E terá sido por ter saído dali, do quartel, que o caso trilhou caminho até aos tribunais.

Pouco desvenda a sentença dos juízes sobre o perfil dos quatro homens: um é divorciado, estagiário de operador de máquinas e ferramentas, vive com a mãe e tem um filho; outro é casado, tem um filho e presta serviço no Colégio Militar; e os outros dois são solteiros, militares, ainda a viver com os pais.

O 1.º juízo criminal do Tribunal Judicial de Abrantes considerou que os arguidos, “sendo militares, têm deveres maiores de respeito pela lei e pela ordem, e de manterem e sedimentarem uma camaradagem na prossecução de um objectivo comum”. Pela agressão física, condenou os quatro a 180 a 240 dias de multa. E pela agressão verbal condenou um a 45 dias e outro a 60 dias. Teriam também de indemnizar a vítima em 2200 euros.

Vítima recorreu
A vítima recorreu da decisão. Pareceu-lhe que a justiça fora demasiado branda. Afinal, tinham-no mantido “durante tempo considerável sob o poder da força”. E não tinham mostrado arrependimento, tentado reparar o dano, pedindo-lhe desculpas e pagando a indeminização determinada pelo tribunal.

No passado dia 28 de Outubro, o Tribunal da Relação de Évora concedeu parcial provimento ao recurso: condenou os quatro homens a penas de prisão de nove, oito, seis e quatro meses, suspensos pelo período de um ano, desde que entregassem cada um 750 euros à vítima.

A violência no seio das instituições militares raramente vem a público. A semana passada, o porta-voz do Estado-Maior do Exército, o major Góis Pires, confirmou que três alunos do 6.º ano, com 10 e 11 anos, do Instituto dos Pupilos do Exército foram agredidos por colegas. Um recebeu assistência hospitalar. Os dois alegados agressores foram suspensos.

O Ministério Público abriu um inquérito. Escusando-se a comentar o caso concreto, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, apontou a opacidade com que este tipo de organizações se estruturam, o que, em seu entender, constitui “um obstáculo ao controlo da comunidade”.

Nem o Exército, nem o Ministério da Defesa Nacional quiseram ao longo do dia de domingo pronunciar-se sobre o caso. O Exército remeteu qualquer esclarecimento para esta segunda-feira. O mais recente anuário estatístico da Defesa Nacional disponibilizado pelo Governo, e que data já de 2010, dá conta de que nesse ano foram instruídos seis processos nas Forças Armadas por ofensas à integridade física, cinco dos quais no Exército.

Notícia corrigida às 14h38 Santa Margarida pertence ao concelho de Constância e não de Abrantes

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