Quanto vale a vida de um jovem?

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Mortes na estrada em Portugal têm vindo a diminuir Foto: Paulo Ricca

Qualidade do ensino da condução, fiscalização policial branda e extinção da Brigada de Trânsito são causas para aumento dos acidentes, diz Luís Cardoso, da Liberty Seguros.

Quanto vale para uma seguradora a vida de um jovem com menos de 25 anos? Qualquer coisa como 100 mil euros. E se o sinistrado tiver 75 anos? Bom, nesse caso, a compensação não deverá chegar a 50 mil euros. A arbitrariedade na fixação das indemnizações foi uma das questões debatidas no II Congresso de Acidentes de Trabalho e Rodoviários, que decorreu no final da semana, em Lisboa, sob o lema "Prevenir para reparar", promovido pela seguradora Liberty.

Em Portugal, em 2009 foram contabilizados 35.484 acidentes rodoviários (com vítimas de várias graus), mais 1871 do que no ano anterior. Os dados referentes a 2008, 2009 e 2010, entre 1 de Janeiro e 7 de Novembro, permitem aferir que os óbitos resultantes de acidentes rodoviários têm vindo a diminuir.

Em 2010, 618 pessoas morreram nas estradas nacionais, menos 24 do que os apurados em 2008. O valor foi calculado segundo a fórmula europeia que tem em conta não só as mortes registadas no local do desastre ou durante o percurso até ao hospital, mas também os que ocorrem nos 30 dias seguintes. Entre Janeiro e Abril deste ano morreram nos hospitais 275 pessoas: 61 peões; 163 condutores; 51 passageiros. A maioria dos desastres ocorre dentro das localidades e muitos envolvem peões. Em 2000 morreram nas estradas nacionais 1670 (menos 1022 mortes).

Luís Cardoso, coordenador do congresso e director da Liberty Seguros com o pelouro dos sinistros, justifica o decréscimo de mortes nas estradas com o facto de haver melhores vias de circulação. Por outro lado, registou-se uma melhoria da emergência médica. Portugal está a meio do ranking europeu, mas tem o dobro dos sinistros da Holanda e da Inglaterra, onde vigoram regras de fiscalização mais severas.

Cálculo de indemnizações

Para Luís Cardoso, uma das questões mais sensíveis discutidas no congresso foi a forma de cálculo das indemnizações a pagar aos herdeiros das vítimas mortais de acidentes ocorridos em estradas nacionais. O desafio é aferir qual o valor mais justo que deve ser fixado em caso de morte ou invalidez. Um tema abordado sob três pontos de vista: das seguradoras, dos sinistrados e dos juízes, chamados sempre que não há acordo.

"Até há bem pouco tempo a fixação dos valores era deixada ao livre arbítrio dos juízes, que para situações idênticas determinavam, por vezes, indemnizações díspares", nota Luís Cardoso. A tragédia de Entre-os-Rios marcou um ponto de viragem no vazio que existia, entende e observa que a partir daí a apreciação que os tribunais fizeram sobre as compensações a entregar aos familiares das vítimas fez jurisprudência. O Estado avaliou a morte em 50 mil euros e fixou mais 20 mil para compensar os danos morais à família.

Em sequência, foi criada uma tabela que tem em conta a idade do sinistrado. Quando a vítima tem menos de 25 anos, a compensação é de 60 mil euros, podendo os herdeiros receber mais 20 mil por danos morais e mais sete mil, se o óbito só for declarado 72 horas depois da ocorrência (a quantia será de dois mil euros se apenas sobreviver 24 horas). Se a vítima tiver entre 25 e 49 anos, o valor a atribuir aos familiares será de 50 mil euros. Se a morte ocorrer entre os 50 e os 75 anos, a indemnização será de 40 mil euros, valor que baixará para 30 mil euros a partir dos 75 anos. A estas verbas acrescem as compensações aos herdeiros por danos morais.

As estatísticas revelam que o número de mortes nas estradas tem vindo a cair, ainda assim os acidentes de viação deixam um lastro de feridos graves. Em 2010 (entre Janeiro e 7 de Novembro), foram contabilizadas mais 58 vítimas graves do que em 2008. Situação que Luís Cardoso explica pela menor "fiscalização" nas estradas portuguesas e pela "menor repressão" por parte das autoridades. Ou seja: os condutores com excesso de velocidade, que fazem manobras perigosas ou que conduzem sem cinto de segurança estão a ser menos "castigados".

Restrições aos idosos e jovens

Estudos recentes revelam que são os jovens com menos de 25 anos, que conduzem mais depressa, têm o índice de sinistralidade rodoviária mais elevado. O maior número de incidentes graves ocorre ao fim-de-semana e envolve rapazes (apenas três por cento das vitimas são raparigas), destes, cerca de metade acaba por morrer. Já este mês a Prevenção Rodoviária Portuguesa propôs a criação de restrições à condução de idosos (que guiam sozinhos) e de jovens (dos 18 aos 20 anos), no primeiro ano de condução e ao fim-de-semana.

Um maior policiamento das estradas, e, em particular, uma maior educação cívica são algumas das medidas de prevenção da sinistralidade rodoviária que Luís Cardoso considera que devem ser adoptadas. "As escolas de condução, para além de darem a carta, devem com o mesmo empenho ensinar a prevenir os acidentes".

O responsável da Liberty defende que o acréscimo de feridos de acidentes rodoviários resulta, em parte, de uma legislação demasiado branda que não ajuda a conter as infracções, não só ao nível dos atropelamentos em passagem de peões. Também a extinção da Brigada de Trânsito (BT) e a actual desorganização a nível da fiscalização rodoviária são apontados como negativos.

Seguros podem aumentar

No que respeita aos acidentes de trabalho, não há estatísticas oficiais actualizadas. "A nossa percepção é que a sinistralidade tem melhorado, pois têm existido menos acidentes laborais", entende Luís Cardoso.

O director da Liberty Seguros diz que "se desconhece por enquanto o efeito da crise" neste segmento, pois as empresas tendem a aligeirar os procedimentos [de prevenção] quando há necessidade de cortar custos". E não tem dúvidas: "Vamos assistir a um aumento da sinistralidade."

Um contexto que, na perspectiva das seguradoras, é propício a novos acréscimos das tarifas. O sector avisa que os prémios recebidos não são suficientes para fazer face ao aumento dos sinistros e dos custos da actividade. E já admitiu que se prepara para aumentar os preços dos seguros automóvel e dos de acidentes de trabalho.

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