Quando são alvo de assédio sexual, homens mostram-se mais passivos do que as mulheres

Estudo feito por equipa de investigação inclui dados sobre assédio moral no mundo laboral. Chefias femininas também desvalorizam e humilham subordinados.

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Pedro Vilela

Quando são alvo de assédio sexual no trabalho, os homens são mais passivos do que as mulheres: não sabem como reagir e muitos deles preferem fingir que não aconteceu nada.

Esta é uma das conclusões de um estudo sobre assédio sexual e moral no mundo laboral que é apresentado nesta segunda-feira em Lisboa. Desenvolvido por uma equipa do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, liderada por Anália Torres, a pedido da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, a investigação dá seguimento a outra do mesmo género levada a cabo há 25 anos mas que não abrangia nem os homens como vítimas nem o assédio moral.

E embora seja verdade que o assédio sexual – e também o moral  – continua a atingi-las mais a elas do que a eles, ao longo deste quarto de século muitas mulheres aprenderam a denunciar publicamente o que lhes sucede, o que não acontece com a maioria dos homens, que acaba por se remeter ao silêncio. As mulheres são mais reactivas e expressivas do que eles, pode ler-se no trabalho: 52% mostra imediatamente o seu desagrado com a situação, enquanto apenas 31% dos homens o faz. “Metade dos homens faz de conta que não nota o que se está a passar”, escrevem os autores da investigação, que falam na “passividade revelada por quase 40% dos assediados”.

Manter o emprego?

Uma das explicações pode residir na preocupação em manter o emprego, maior do que a delas. Mas não é a única: admitir que são vítimas de assédio “pode ser entendido como manifestação de fraqueza afectando a sua masculinidade e mesmo a sua sexualidade”, tanto mais que em 35,4% dos casos são vítimas de outro homens, superiores hierárquicos na maioria das vezes – embora nem sempre. O estudo assinala como descoberta interessante que quando o alvo são as mulheres o assédio sexual vem dos superiores hierárquicos ou das chefias directas em 44,7% das situações. Já nas vítimas masculinas o universo de agressores está mais disperso: “Os dependentes hierárquicos assediam mais frequentemente homens do que mulheres.”

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Elas sabem dizer muito bem por que razões foram atacadas, por actos, por gestos ou por palavras: “Porque certas pessoas não respeitam as outras”, responderam 58% das inquiridas e também 37,5% dos homens. Mas mais de 31% dos entrevistados do sexo masculino não foram capazes de explicar por que lhes sucedeu isto, e 25% não o contaram nem à família nem aos amigos. “Os homens mais frequentemente do que as mulheres optam por ficar em silêncio e não falar com ninguém acerca do assédio sexual de que foram alvo”, concluem Anália Torres e os colegas. Chegam a responsabilizar-se a si próprios: “Racionalizam o episódio remetendo para o seu aspecto físico e para a sua simpatia – ocorreu por serem simpáticos e bonitos – retirando mais do agente de assédio a sua responsabilidade do que as mulheres.” Já as mulheres desabafam mais com os companheiros.

Foram feitos questionários a 1801 pessoas para este estudo. Um dos testemunhos é de um técnico de higiene e segurança no trabalho que recordou a forma como num jantar com colegas a sua chefe lhe pôs o braço por cima à frente de toda a gente, apesar de passar o tempo a fazer-lhe a vida negra: “Encostou... roçou-se, colou-se demasiado a mim, até me senti desconfortável... achei estranho… ... foi mesmo para mostrar quem manda (…) Acho que o objectivo era subjugar-me. Eu não consigo compreender a atitude dela, é uma cena muito, muito doentia...”

Mas é só deste tipo de situações que falamos afinal, quando falamos de assédio sexual? Não, e se as principais razões de queixa dos trabalhadores se prendem com perguntas intrusivas e ofensivas que lhes são feitas sobre a sua vida privada, com os olhares insinuantes que os fazem sentir-se ofendidos e com piadas ou comentários ofensivos sobre o seu aspecto, já para as trabalhadoras o pior são mesmo os contactos não desejados – o tocarem-lhes no corpo, as tentativas para as beijarem. Anália Torres diz que basta um episódio, mesmo que não se repita, para se considerar que o assédio existiu. Coisa diferente, claro, é quando o assediado entra no jogo de sedução, ressalva. O estudo menciona, porém, ainda as situações de envolvimento emocional inicialmente consentido que, a determinada altura deixa de ser autorizado por um dos envolvidos.

Chefias femininas humilham subordinados

Do lado do assédio moral, a investigação foca também outro aspecto pouco debatido: as chefias femininas que desvalorizam e humilham os seus subordinados. “Não podemos negligenciar que a autoria [do assédio moral por parte] das mulheres superiores hierárquicas ou chefes directas se faz sentir de forma mais aguda (ainda que sempre em muito menor percentagem do que os homens) nos casos de desvalorização sistemática do trabalho dos/as outros/as ou na humilhação sistemática devido a características físicas, psicológicas ou outras”. Em um quarto das situações identificadas pelos entrevistados, foram elas que geraram sistemáticas situações de stress com o objectivo de os fazer descontrolar – a principal forma de assédio moral de que se queixam quer homens quer mulheres.

Anália Torres defende uma alteração das leis em vigor que passe por identificar melhor as situações que configuram o assédio moral. Actualmente o Código do Trabalho faz depender este tipo de assédio da existência de episódios discriminatórios. O assunto está a ser debatido no Parlamento, local onde este diagnóstico é apresentado nesta segunda-feira.

Acompanha-o um manual com muitas dicas para as vítimas: não se culpabilize; crie prova – escreva uma carta ao assediador; não apague mensagens; não ignore o assédio na esperança de que seja uma coisa passageira. 

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