Quando a justiça demora (demais)

O processo da Operação Marquês não é o primeiro nem o único processo judicial no mundo em que se levantam questões como estas.

Nos EUA, a Constituição, na sua Sexta Emenda, prevê expressamente que: “Em todos os processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento célere e público, por um júri imparcial...” E constatada a violação da obrigação de celeridade, o processo é anulado e, no caso de ter havido uma condenação, a mesma deixará de produzir quaisquer efeitos.

O cerne da questão, claro está, é saber quando é que os tribunais constatam que foi violado este direito constitucional.

Em 1972, o Supremo Tribunal no caso Barker versus Wingo estabeleceu os critérios que permitem concluir se houve ou não violação do direito a um julgamento célere: a duração do atraso, as razões do atraso, a invocação pelo arguido no processo deste seu direito e o prejuízo que resultou para o arguido do atraso.

Em princípio, se o processo, desde a prisão até ao julgamento, demorou mais de um ano, presume-se que o atraso existe e que há, então, que apurar o que se passou quanto aos outros factores. Em primeiro lugar, importa apurar se o atraso foi originado pela actuação do arguido ou do Estado. Em que medida por um e por outro? E quais os motivos? Qual o comportamento processual do arguido? E o arguido invocou esse seu direito a um julgamento célere no processo? Em que altura? E, por último, existiram prejuízos para o arguido?

Posteriormente a esta decisão do Supremo Tribunal, o Congresso aprovou em 1974, o chamado Speedy Trial Act, que veio estabelecer minuciosamente prazos para as diversas fases do processo criminal. Claro que estes prazos prevêem numerosas excepções e deixam em aberto a possibilidade de o juiz não contabilizar determinados períodos quando os fins da justiça (“ends of justice”) superam o interesse do público e do arguido num julgamento célere.

Em Março, entrou no Supremo Tribunal o caso Carvalho versus North Carolina, em que o arguido pretende ver anulado o julgamento que o condenou, por homicídio, a pena de prisão perpétua por entender que foi violado o seu direito a um julgamento célere.

John Joseph Carvalho foi preso em Novembro de 2004 e assim se manteve até ser julgado e condenado em Outubro de 2013. Quase nove anos para ser julgado em primeira instância parece que seria motivo suficiente para ver considerado violado o seu direito a um julgamento célere. Mas os tribunais da Carolina do Norte assim não o entenderam. Consideraram os tribunais estaduais que o arguido não tinha feito prova, como lhe competia, de que as razões para os atrasos, registados no seu processo, resultavam de negligência e teimosia (willfulness) do Estado e que, além disso, não tinha feito prova efectiva de prejuízos sofridos.

Carvalho decidiu então recorrer ao Supremo Tribunal para ver esclarecidas duas questões: saber se era o Estado que tinha de provar que atrasos estavam justificados (como ele defendia) ou se era o próprio arguido que tinha de provar que as razões apontadas eram injustificadas (como tinham decidido os tribunais da Carolina do Norte); e, ainda, para saber se um arguido que esteve preso nove anos à espera de julgamento tem de provar que houve um efectivo prejuízo para si resultante do facto de o julgamento não ter sido célere ou se do período de tempo decorrido, por si só, resultava um inequívoco prejuízo.

Estas as questões que estão pendentes no Supremo Tribunal norte-americano e de que darei notícia circunstanciada quando houver decisão. Se der razão a Carvalho, considerando violado o direito constitucional a um julgamento célere, Carvalho verá o seu julgamento anulado e será restituído à liberdade. Se o Supremo assim não entender, Carvalho não mais sairá da prisão até morrer.

Como vê, contrariamente ao que se poderia pensar, o processo da Operação Marquês não é o primeiro nem o único processo judicial no mundo em que se levantam questões como estas: Qual é a duração razoável de um processo criminal? Quanto tempo deverá/poderá demorar um processo desde, por exemplo, a prisão do arguido até ao seu julgamento? E quais as consequências de ser excedido esse prazo razoável?  Nos EUA, embora a questão esteja prevista constitucionalmente e regulada legalmente, nem por isso as respostas são evidentes.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários