Professores não querem que avaliação conte para efeitos de selecção

De acordo com inquérito a que responderam 5135 docentes, esmagadora maioria defende que os concursos de colocação continuem a ser centralizados pelo Ministério da Educação.

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Maioria dos docentes é contra a norma-travão que obriga a cinco contratos sucessivos para se conseguir lugar no quadro Rui Farinha

A maioria dos professores considera que a sua avaliação não deve ser tida em conta para efeitos de colocação, segundo revelam os resultados de um inquérito sobre os concursos de docentes elaborado pelos blogues de educação ComRegras e DeAr Lindo. Responderam ao inquérito 5135 professores.

Nos concursos de colocação de professores estes estão ordenados em função da sua graduação profissional, uma fórmula que tem em conta o tempo de serviço e a classificação final do curso, critérios que ainda nesta segunda-feira o presidente do Conselho Nacional de Educação, David Justino, considerou que não garantem a “qualidade” dos seleccionados.

Com a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, os professores que obtinham Excelente ou Muito Bom na sua avaliação de desempenho tinham um bónus de dois e um valor, respectivamente, mas a partir de 2012 esta prerrogativa deixou de se aplicar aos docentes do quadro, conforme reivindicado pelos sindicatos. O inquérito agora publicado vem confirmar que a alteração feita em 2012 ao Estatuto da Carreira Docente é do agrado dos professores.

Quando questionados se a avaliação de desempenho deve influenciar a sua graduação profissional, 78,9% dos professores do quadro de agrupamento responderam pela negativa. Entre os contratados, esta percentagem desce para 68,2%. Mas a verdade é que, com o congelamento da carreira, a avaliação, que era obrigatória para a mudança de escalão, praticamente desapareceu das escolas, sendo apenas obrigatória para os docentes do 2º e 4º escalões numa carreira que tem 10 patamares.  

A grande maioria dos inquiridos defende, por outro lado, que os professores devem ser seleccionados com base em critérios definidos a nível nacional e com base em concursos geridos pelo Ministério da Educação, como sucede actualmente. Só 4,2% dos docentes do quadro e 5,5% dos professores contratados consideram que estes procedimentos deviam ser geridos pelas escolas e que os critérios para a sua selecção deveriam ser definidos por estas.

Para Arlindo Ferreira, autor do blogue DeAr Lindo, e Alexandre Henriques, autor do ComRegras, este é o resultado mais relevante do inquérito. “As respostas dos diversos tipos de inquiridos (professores do quadro de agrupamento, do quadro de zona pedagógica e contratados) andam todas na ordem dos 95% a querer concursos centralizados pelo Ministério da Educação e com critérios definidos a nível nacional”, especifica em declarações ao PÚBLICO. Esta quase unanimidade demonstra também que existe “uma grande coesão entre os profissionais da educação”, o traço que Arlindo Ferreira isola para definir a imagem do corpo docente que sobressai deste inquérito.

Já Alexandre Henriques considera que os resultados obtidos dão conta de “um corpo docente desconfiado e muito cansado de anos de injustas ultrapassagens”. “Está na hora de colocar o concurso de professores como um mero procedimento e não um momento de convulsão educativo, utilizado muitas vezes como um barómetro político. Ouça-se os professores, respeite-se as suas opiniões e dêem-lhes a estabilidade de que precisam”, exorta este docente.  

Contra a norma-travão

Apesar de já terem entrado no quadro cerca de 1600 docentes a contrato ao abrigo da chamada “norma-travão”, aplicada desde 2015, a maioria dos professores inquiridos, sejam do quadro ou contratados, mostra-se favorável ao fim desta disposição, cuja alteração estará também em cima da mesa nas negociações sobre os concursos de docentes que o ministério deverá iniciar em breve com os sindicatos. 

A “norma-travão”, que visou responder a um ultimato da Comissão Europeia com vista a impedir a utilização abusiva de contratos a prazo, estipula a entrada nos quadros dos docentes que tenham pelo menos cinco contratos sucessivos, anuais e completos no mesmo grupo de recrutamento. Os sindicatos e a Associação Nacional de Professores Contratados têm denunciado que o modo como foi concebida esta norma cria “situações de distorção”, que permitiram a entrada nos quadros de professores contratados com seis anos de serviço, quando outros com mais de 20 anos de carreira ficaram de fora.

Segundo Arlindo Ferreira, esta será também a razão pela qual a maioria dos inquiridos se pronunciou a favor do fim da “norma-travão”. “O facto de se conseguir cinco contratos anuais e completos no mesmo grupo de recrutamento acaba por depender muitas vezes da sorte das colocações e não do tempo de serviço”, comenta, para realçar o seguinte: “É curioso verificar que é entre os professores contratados (os únicos que podem beneficiar desta regra) que mais oposição existe à norma-travão (81%) ”.

A maioria dos professores manifestou também a sua discordância em relação à recondução de professores contratados nos horários que conseguiram no ano anterior. Questionados se concordavam com esta prática, 65% dos docentes do quadro e 64,7% dos contratados responderem pela negativa. Entre os cerca de sete mil professores contratados que foram colocados nas escolas neste ano lectivo, perto de dois mil conseguiram um lugar por via da renovação do contrato conseguido no ano passado.

Segundo os sindicatos de professores, esta possibilidade cria também situações de “injustiça”, uma vez que a ocupação de lugares por via da renovação não tem em conta nem a graduação profissional dos candidatos que concorreram ao concurso anual, nem a possibilidade de estes serem requisitados por professores do quadro que concorram à mobilidade interna para aproximação da sua residência. Isso sucede também anualmente com vários milhares, uma vez que muitos dos docentes estão vinculados em agrupamentos ou zonas pedagógicas distantes do seu lugar de origem.

Tanto Arlindo Ferreira como Alexandre Henriques não se mostram surpreendidos com os resultados do inquérito. "Expressam apenas o que tem sido afirmado por inúmeros professores, quer nas escolas, quer nas redes sociais", frisa o autor do ComRegras. 

Dos 5135 docentes que responderam, 27,4% pertencem aos quadros de agrupamento, 13,5% aos quadros de zona pedagógica e 59,1% são contratados. Nesta categoria foram também incluídos os docentes no desemprego e do ensino particular que responderam ao inquérito. O maior grupo de respostas (20,3%) chegou de docentes que residem na área do Porto, seguidos pelos de Lisboa (12,2%).

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