Praxe, vade retro

As universidades não podem continuar a contemporizar com este discurso e estas práticas no seu interior.

Deixar a recepção e integração dos novos alunos universitários nas mãos das comissões de praxes e associações de estudantes seria um acto demissionário. Fez bem o Ministério da Ciência e Ensino Superior em recusar que as instituições de ensino superior reconheçam as comissões de praxe e em pedir às universidades que se preocupem com as práticas boçais e humilhantes da praxe académica. A integração não se faz com colheres de pau, orelhas de cartolina, estrelas amarelas ao pescoço ou em idas nocturnas a praias. Muito menos com a criação e distribuição de um Manual de Sobrevivência do Caloiro, como aconteceu recentemente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), no qual é escrito que ao caloiro não é “permitido pensar, opinar, gesticular, buzinar, abanar as orelhas ou pôr-se em equilíbrio nas patas anteriores”.

As universidades não podem continuar a contemporizar com este discurso e estas práticas no seu interior. Há casos de faculdades públicas que proibiram estas práticas vexatórias, como o fez a própria FCUP, cujo director chegou a chamar a polícia para afastar das imediações do edifício os estudantes nelas envolvidos. Felizmente, existem já vários exemplos, nomeadamente nesta última faculdade, que demonstram que as instituições podem e devem criar os seus próprios programas de recepção e que há uma alternativa racional e decente que — esperemos­ ­— esvazie o estapafúrdio discurso do ritual e da tradição académica.

A praxe pode ser proibida, mas a adesão à praxe não. Todavia, pode ser que um dia este anacronismo volte a ser enterrado por uma geração pouco dada a estas dialécticas assentes no preço que se paga para, supostamente, se ser membro de pleno direito de um grupo, que tem como reverso um ritual de suposta elevação do status dos líderes do grupo. Programas como o IUL-Come, do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, o Orienta-te, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto ou Festival de Outono da Universidade do Minho não se substituem à praxe propriamente dita, mas contribuem para uma transição pacífica do secundário para o ensino superior, sem que isso implique uma hierarquia acéfala, rastejar ou comer erva. Era bom que as universidades privadas seguissem este exemplo e abandonassem a tolerância e passividade com estas praxes alarves.

 

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