Portugal, um país racista? (II)

Ainda hoje espanta ver pessoas que proclamam que o grande azar do Brasil foi ter sido criado por Portugal e não pela Holanda ou pela Alemanha.

Habituados que estamos à intervenção no espaço público, não nos surpreenderam, de todo, algumas reacções ao nosso artigo “Portugal, um país racista?” (PÚBLICO, 18.07.2017). As mais extremadas exploraram o mais do que estafado nexo “lusotropicalismo > salazarismo > nazi-fascismo”.

Ainda que (cada vez mais) cépticos quanto à possibilidade de desconstruir esses lugares-comuns, que em particular pululam, sem qualquer espécie de sentido crítico, nas redes sociais, não podemos deixar de os (tentar) contrariar.

Em benefício desse desiderato, podemos até, à partida, aceitar a crítica de Fernando Henrique Cardoso, reputado sociólogo e ex-Presidente do Brasil, a Gilberto Freyre, que sempre o acusou de “adocicar as relações entre as etnias diferentes, considerando-o mais poeta do que cientista” (cf. Adriano Moreira, A Lusofonia como Utopia, in NOVA ÁGUIA, n.º 20, 2.º semestre de 2017, no prelo).

Uma coisa é, porém, aceitar isso; outra, completamente diferente, é sugerir que o seu paradigma de sociedade multi-racial é, de alguma forma, afim do paradigma social nazi-fascista. O próprio Gilberto Freyre, de resto, assumiu que a sua proposta podia e devia ser lida, no Brasil, como uma resposta aos “nostálgicos da colonização holandesa” e “alemã” (in O Mundo que o Português criou, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1940, p. 52).

Esses, sim, defendiam uma colonização abertamente racista e segregadora. Por isso, ainda hoje espanta ver no Brasil pessoas, algumas até de ascendência africana, que proclamam que o grande azar do Brasil foi ter sido criado por Portugal e não pela Holanda ou pela Alemanha. Decerto, não têm consciência de que o Brasil teria sido um país muito parecido com a África do Sul. Não que isso tenha feito da sociedade brasileira uma sociedade imune ao racismo. Mas, uma vez mais, importa não confundir os paradigmas — que, neste caso, são particularmente contrastantes.

E, quanto ao nexo salazarista, também é mais do que tempo de relermos a obra de Gilberto Freyre libertos desses preconceitos e sectarismo ideológicos — porta, de resto, já aberta pelo insuspeito Mário Soares: “Agora, passados os anos e lendo novamente Gilberto Freyre, abstraindo Salazar e as guerras coloniais, aquilo que ele disse é verdadeiro. Aquilo que ele disse sobre luso-tropicalismo é verdadeiro, é uma cultura própria e temos que desenvolvê-la no futuro.” (cf. Vamireh Chacon, O Futuro Político da Lusofonia, Lisboa, Verbo, 2002, p. 49).

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