Porque é que a múmia foi à casa de banho? Para se embrulhar em papel higiénico...

Se as anedotas funcionam no sentido de conseguir que as pessoas dirijam a sua atenção para o saneamento, vamos continuar a contá-las.

Teve de correr para a casa de banho de tanto rir? Ou foi falso alarme? Está a pensar que tolice é esta para um artigo supostamente sério? As anedotas e o humor abundam sempre que a conversa envolve casas de banho ou cocó, e isso é compreensível: durante os últimos duzentos anos o natural, inevitável acto da defecação foi sempre escondido de uma sociedade civilizada, a ser abordado apenas com humor ou constrangimento. Tal como o ministro do Desenvolvimento Rural da Índia, Jairam Ramesh, disse recentemente: "Quando falamos de saneamento só podemos rir."

Mas isso está prestes a mudar, porque dia 19 de Novembro assinalámos o primeiro Dia Mundial das Instalações Sanitárias, aprovado pela Assembleia Geral da ONU.

Isso pode fazê-lo(a) rir também. Afinal, há dias das Nações Unidas para a Industrialização de África, Filosofia e Televisão, e isto só em Novembro. Mas, por trás do humor de casa de banho e do cocó, há alguns factos e números graves e mortais que tornam óbvio o porquê de 100 países – do Afeganistão ao Vietname – se terem reunido no início deste ano para aprovar a resolução que criou o Dia Mundial das Instalações Sanitárias pela primeira vez na história. Aqui está um número: dez milhões de vírus. Este é o número que pode ser encontrado em apenas um grama de fezes humanas. Aqui vai outro número: 2,5 mil milhões. É o total de pessoas em todo o mundo que ainda não têm saneamento básico decente. Destas, cerca de mil milhões têm de fazer algo chamado "defecação ao ar livre ", ou cocó a céu aberto, nos campos, nas bermas de estradas, em vias férreas. Todos os dias, cerca de dois mil milhões de toneladas de fezes humanas, com um número estonteante de possíveis vírus, bactérias e ovos de vermes, são deitadas em torno do nosso planeta prontas a ser pisadas, tocadas ou ingeridas em água e alimentos. As consequências são bastante fáceis de calcular: a diarreia, que é causada por alimentos, água e meio ambiente contaminados, ainda é a segunda doença mais mortífera para as crianças em todo o mundo, matando 1800 crianças todos os dias. Apenas a pneumonia e as infecções respiratórias são mais mortais (por falar nisso, o Dia Mundial da Pneumonia é em Novembro também). Para as mulheres e meninas é particularmente difícil ter de encontrar um lugar seguro para defecar na escuridão por causa do pudor e decência, colocando-se em risco de violação e ataques de animais (o que está ligado a outro dia que se assinala em Novembro, o da luta contra a violência contra as mulheres). Crianças a morrer de algo aparentemente tão trivial como diarreia ou meninas a ser violadas porque têm de encontrar um lugar para fazer as suas necessidades: nenhum destes factos nos deve fazer rir (o Dia Internacional da Criança também é em Novembro).

No entanto, a atenção e financiamento dados ao saneamento e à diarreia – que é fácil de prevenir com saneamento básico, água potável e uma boa higiene – têm sido ignorados em favor de outras causas e desafios: como o VIH/sida. Quando os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio – um conjunto de metas para reduzir a pobreza e melhorar a saúde materna e educação, entre outras coisas – foram assinados em 2000, o saneamento nem sequer foi mencionado. (Foi adicionado na Cimeira de Joanesburgo de 2002.)

Felizmente, há muito mais para comemorar agora do que há dez anos. Desde 1990 1,9 mil milhões de pessoas ganharam acesso a melhor saneamento (embora, devido ao crescimento da população, o número de pessoas sem saneamento não tenha mudado substancialmente). Mesmo assim, em média, 26 mil africanos ganharam acesso ao saneamento todos os dias, e há 244 milhões de pessoas a defecar a céu aberto. Além disso, as nossas estatísticas são mais fiáveis. O programa de Água de Saneamento do Banco Mundial lançou uma iniciativa, a Economia de Saneamento, que está a produzir números que impressionam qualquer ministro do Tesouro, calculando que um país pode perder 1,5% do seu PIB em gastos incorridos pela falta de saneamento (perda económica, custos hospitalares). O Quénia perde 324 milhões de dólares americanos por ano desta forma. A Índia desembolsa 54 mil milhões dólares (que é todo o PIB da Croácia). Mas podemos olhar para esses números de outro ângulo: se conseguirmos encontrar uma forma de instalar saneamento adequado para 2,5 mil milhões de pessoas, podemos poupar 260 mil milhões de dólares por ano. Investir um dólar na instalação de saneamento pode economizar até cinco dólares em perdas económicas evitadas. Não importa como se fazem as suas contas, é uma pechincha.

Outras relações encorajadoras estão a ser estabelecidas entre o saneamento e outras áreas e departamentos. Depois de um trabalho de investigação ter mostrado que frequentemente cerca de um quarto das meninas abandonam a escola devido à simples falta de uma casa de banho (quando começam a menstruar), iniciativas Wash – água, saneamento e higiene – nas escolas multiplicaram-se. Especialistas em nutrição agora entendem que o saneamento desempenha um papel vital, tanto em problemas de malnutrição como na sua solução. Melhorar o saneamento pode reduzir os problemas de atrasos de crescimento e melhorar a nutrição, a economia e o desenvolvimento.

Pode rir à vontade. Todas estas novas ligações e conhecimento são causas de alegria, e o Dia Mundial das Instalações Sanitárias é uma óptima maneira de celebrar. É também uma forma de chamar a atenção para a crise de saúde pública que esteve oculta durante muito tempo por vergonha. Se as anedotas funcionam no sentido de conseguir que as pessoas dirijam a sua atenção para o saneamento, vamos continuar a contá-las.

Michel Jarraud

Presidente da ONU-Água e secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial das Nações Unidas (OMM)

Kajumulo Anna Tibaijuka

Ministro de Terras, Habitação e Desenvolvimento de Assentamentos Humanos da República Unida da Tanzânia e presidente do Conselho Colaborativo da ONU sobre Abastecimento de Água e Saneamento (WSSCC)

Príncipe El Hassan bin Talal

Presidente da UNSGAB, secretário-geral do Conselho Consultivo das Nações Unidas para a Água e Saneamento
 
 
 
 
 

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