Polícias obrigados a usar telemóveis pessoais para fotografarem acidentes

IGAI recomendou há um mês às forças de segurança que fotografassem acidentes de viação, mas há falta de equipamentos. PSP recusa dizer quantas máquinas possui e GNR refere ter 67 aparelhos em todo o país.

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Recurso a telemóveis para fotografar acidentes é uma forma de os militares se “desenrascarem”, diz dirigente sindical DIOGO BAPTISTA

Muitos profissionais da PSP e da GNR estão a ser obrigados a recorrer a equipamentos fotográficos pessoais, integrados nos telemóveis ou autónomos, para registar os acidentes de viação a que são chamados. Isto porque as respectivas forças de segurança não possuem equipamentos fotográficos em número suficiente para fazer esse registo, que pode ser um importante elemento de prova nos tribunais. Contactada pelo PÚBLICO, a PSP recusa-se a precisar o número de máquinas fotográficas que possui para este fim, enquanto a GNR refere ter 67 aparelhos em todo o país.

A utilização de equipamentos pessoais pelos polícias é relatada por vários dirigentes sindicais das duas polícias, quando confrontados pelo PÚBLICO sobre uma recomendação emitida há pouco mais de um mês pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI). No documento, a inspectora-geral Margarida Blasco recomenda às forças de segurança chamadas a acidentes rodoviários para “se municiarem de equipamento fotográfico para, através de reportagem fotográfica, poderem instruir de forma mais transparente os autos ou as participações que venham a elaborar”. A recomendação, a primeira deste ano, data de 25 de Fevereiro.

Numa resposta enviada ao PÚBLICO, a IGAI explica a emissão desta recomendação com a necessidade de “facilitar uma eventual necessidade de reconstituição dos factos e proporcionar no futuro, quer no processo cível quer no processo penal, a obtenção de prova”. E diz que esta orientação “pretende aprimorar os procedimentos das forças de segurança.”

Já a PSP é mais parca em comentários. Questionada sobre que tipo de registo é que os seus agentes fazem quando chegam ao local de um acidente e que recursos existem para esse efeito, a PSP recusou-se a adiantar qualquer informação. Ficou igualmente por esclarecer se vai ser lançado algum procedimento para comprar máquinas fotográficas. A PSP diz apenas “que procurará acolher da melhor forma a recomendação” da IGAI, precisando “que nesta fase” não se irá “pronunciar com mais detalhe” sobre o tema.

Por outro lado, a GNR garante que “acolheu a recomendação da IGAI, tendo já dado instruções a todo o efectivo para adoptarem o procedimento identificado”. Sobre o equipamento fotográfico disponível, informa “que em todo o dispositivo da GNR existe um total de 67 máquinas fotográficas, distribuídas numa média de quatro máquinas por distrito”.

O presidente da Associação dos Profissionais da Guarda, César Nogueira, garante que muitos militares são obrigados a utilizar equipamento fotográfico próprio. “Muitos utilizam máquinas próprias ou telemóveis com câmara para fazer o trabalho porque não lhes é disponibilizado material para fazerem o serviço em condições”, lamenta César Nogueira. O dirigente sublinha que muitas vezes estas imagens são consideradas prova em tribunal e admite que as fotografias também facilitam o trabalho dos polícias, permitindo evitar a realização de croquis.

José Alho, da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda, explica que a maioria das máquinas fotográficas existentes na GNR está nos Núcleos de Investigação de Crimes em Acidentes de Viação, deixando muitas vezes as patrulhas que são chamadas a grande parte dos acidentes ( e não apenas aos mais graves) sem aparelhos. Diz ainda que o recurso aos telemóveis é uma forma dos militares se “desenrascarem” e actualmente “uma peça fundamental no trabalho diário”. Nem sempre foi assim. José Alho recorda que quando os telefones portáteis apareceram, a Brigada de Trânsito emitiu uma nota que proibia os polícias de utilizarem os aparelhos durante o serviço.

O presidente do Sindicato Nacional da Polícia, Armando Ferreira, descreve na PSP um panorama similar ao da GNR. Concorda com a recomendação da IGAI, só lamenta que não existam equipamentos para a fazer cumprir. “Muitos polícias salvaguardam-se com os seus telemóveis ou as suas máquinas. Na falta de equipamento, são os primeiros a levar aparelhos próprios”, remata.

A importância da imagem

“A reportagem fotográfica ao local do acidente deve ser muito completa e deve conter pormenores dos vestígios, da via, das vítimas e dos veículos. Além disso, deve contemplar toda a envolvente do local do acidente”. A conclusão é de um trabalho apresentado por Ricardo Lopes Vieira, na Academia Militar, em Julho de 2014, que incluiu um inquérito a 95 militares que trabalhavam na investigação de acidentes rodoviários na GNR. O trabalho refere ainda que a utilização de fotografias no relatório final da investigação é “muito apreciada pelos magistrados do Ministério Público, pois só dessa forma conseguem ter uma percepção visual do acidente”. O questionário confrontou os inquiridos com 16 elementos que podem constituir prova material na investigação de acidentes, aos quais teria de ser atribuída uma escala de relevância com quatro níveis. Os três com maior relevância foram a fotografia geral e de pormenor (90,5%), a fotografia da posição final dos veículos e das vítimas (89,5%) e a descrição de marcas e estilhaços existentes na via (86,3%).

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