PGR avisa cadeias que têm de pagar mais de 40 milhões ao SNS

Há pelo menos sete anos que os ministérios da Justiça e da Saúde não se entendiam sobre qual tinha de suportar o custo do internamento de inimputáveis condenados nos hospitais. A PGR conclui agora que é o Ministério da Justiça que tem de pagar.

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No primeiro semestre de 2007, passaram pelo internamento do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, 36 inimputáveis Daniel Rocha

Os mais de 40 milhões que a Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), tutelada pelo Ministério da Justiça, deve ao Serviço Nacional de Saúde vão mesmo ter de ser pagos – um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) determinou que é o Ministério da Justiça o responsável pelos encargos financeiros do internamento de inimputáveis em hospitais públicos. O documento foi pedido pela secretária de Estado Adjunta e da Justiça e pelo secretário de Estado da Saúde, para pôr fim a um impasse que perdura há pelo menos sete anos.

O documento é claro: “integra as atribuições do Ministério da Justiça assegurar o financiamento da generalidade dos custos públicos inerentes ao internamento de inimputáveis condenados ao abrigo do Código Penal em medida privativa da liberdade.”

Em 2016, existiam cerca de 325 inimputáveis em Portugal – ou seja, pessoas que cometeram factos qualificados como crimes mas que, por força de uma anomalia psíquica, os tribunais entenderam que deviam ser afastadas, sim, mas não ir para uma prisão normal.

No parecer da PGR votado em Março deste ano, argumenta-se que o internamento de inimputáveis, de acordo com o Código Penal, é configurado “como uma reacção criminal inconfundível com intervenções determinadas por fins terapêuticos de saúde mental que visem primariamente assegurar a prestação de cuidados de saúde ao cidadão”. Ou seja, a permanência de inimputáveis condenados em hospitais públicos é uma medida de segurança privativa da liberdade, resultante de uma decisão judicial, e tem de ser por isso financiada pelos serviços prisionais.

No primeiro semestre de 2017, já passaram pelo Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, 36 inimputáveis. A unidade de saúde, que tem como lotação oficial 32 camas, costuma estar cheia e desde 2010 que suporta todos os custos inerentes ao internamento, de acordo com fonte oficial do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa que inclui aquela unidade. Actualmente, o valor da conta, que o Ministério da Justiça se recusa pagar, é de oito milhões e 800 mil euros, revelou a mesma fonte.

O Hospital de Sobral Cid, em Coimbra, é outra das instituições afectadas – em 2014, a dívida já atingia os 20 milhões.

O “objectivo maior”

Segundo o Ministério da Justiça, deveria ser o SNS a suportar estes custos. A entidade argumenta que “o fundamento do internamento [dos inimputáveis] é, antes de mais, a necessidade de assegurar a prestação de cuidados de saúde ao cidadão, sendo a aplicação da medida de segurança (restrição da liberdade) meramente instrumental daquele objectivo maior”, lê-se no parecer.

Aquela tutela encontrava o fundamento para a sua posição no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, em que se afirma que “é garantido ao recluso o acesso a cuidados de saúde em condições idênticas às que são asseguradas a todos os cidadãos”.

Apesar de não validar a posição do Ministério da Justiça, a PGR não deixa de realçar que a prestação de cuidados de saúde pontuais (à parte do internamento) por instituições do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a reclusos, que também são utentes do SNS, mantém-se assegurada pelo SNS, não podendo ser “reclamados” quaisquer custos ao Ministério da Justiça.

No parecer, a PGR alerta para a importância da publicação de um diploma próprio dedicado à “específica situação de reclusão de inimputáveis”. É que o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade “encontra-se em vigor há mais de 6 anos e 10 meses sem que tenha sido publicado diploma próprio relativo à execução de internamento de inimputáveis em unidade de saúde mental não prisional”. 

O PÚBLICO tentou contactar o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça, que não deram resposta até ao fecho desta edição.

Texto editado por Pedro Sales Dias

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