Pedrógão: Condessa franco-americana pede apoio político para quinta que escapou ao fogo

A Quinta das Mil Flores foi salva das chamas do incêndio de Pedrógão Grande. Contudo, a proprietária teme pelo impacto financeiro do abandono dos turistas.

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LUSA/PAULO CUNHA

A Quinta das Mil Flores, com mais de mil espécies de plantas diferentes, escapou ao fogo em Pedrógão Grande, mas a sua proprietária, uma condessa franco-americana, quer mudanças políticas para continuar o seu projecto. Cerca de 1400 espécies diferentes de plantas pintam a paisagem das traseiras de uma casa pequena e modesta, também ela adornada de plantas, situada na aldeia do Sobreiro, em Pedrógão Grande, concelho onde começou no dia 17 um incêndio que provocou a morte a 64 pessoas e mais de 200 feridos.

As plantas, árvores, flores e ervas aromáticas de espécies pouco conhecidas são o corpo do projecto dos últimos dez anos de Annabelle de La Panouse, antiga modelo nascida nos Estados Unidos e condessa que divide a vida entre Pedrógão Grande e o castelo de Thoiry, em França, onde vive com o marido, o conde Paul de La Panouse, com quem se casou há mais de 40 anos.

"A Quinta das Mil Flores e o Sobreiro foram excepcionalmente preservados e permanecem como um oásis verde no meio da desolação das florestas carbonizadas à nossa volta", conta à Lusa Annabelle de La Panouse. Nas traseiras do jardim, é possível ver uns eucaliptos queimados, mas o caminho para Sobreiro, por uma estrada estreita que sobe o monte até à aldeia, permanece também ele intacto. "Ao princípio, só se via fumo e um brilho vermelho, a oeste, que parecia estar longe. Mas, assim que veio a noite, conseguimos ver o fogo a mover-se, a oeste e a sul, e sentimos que havia o perigo de ficarmos cercados e saímos", disse a condessa, sublinhando que os aviões Canadair chegaram a tempo de "salvar o Sobreiro e a quinta".

No entanto, apesar de a quinta ter ficado a salvo das chamas, Annabelle teme pelo impacto financeiro do abandono dos turistas. É difícil olhar com confiança para o futuro, nota, recordando que já investiu "mais de 600 mil euros" no projecto, que envolve alojamento turístico, e que, só este ano, foram "20 mil euros em publicidade". "Tínhamos trabalhado no inverno e na primavera para ter tudo pronto", frisa. O futuro da quinta, explica, depende do "futuro do turismo" nesta região de Portugal, bem como nas alterações que têm de ser feitas na floresta.

"Os eucaliptos e os pinheiros têm de ser arrancados. Eles envenenam a terra. Tem de se plantar aquilo que já foi a floresta nesta região: castanheiros, loureiros, sobreiros - árvores autóctones", defende. A única resposta "é a pressão política e limpar" os milhares de hectares ardidos de eucaliptos, para que os turistas regressem e que os próprios estrangeiros que optaram pelo interior do país não tenham "medo de viver em pequenas aldeias".

"É um momento para uma grande decisão política", afirma Annabelle de La Panouse, referindo que não está a pensar em abandonar Pedrógão Grande, que vai "tentar e lutar", mas que tudo depende das políticas que surjam.

Fátima Antunes, funcionária na Quinta das Mil Flores, realça que a quinta acaba por ser "a única coisa que está verde" na zona.
Moradora em Mó Pequena, a minutos da aldeia do Sobreiro, viu o empreendimento onde trabalha safar-se das chamas, mas o mesmo não pode dizer da sua terra.

Domingo e segunda-feira, dia 18 e 19 foram dias para tirar galinhas "ainda a arder" das capoeiras, leitões mortos, dois cães e duas porcas - que até nome tinham, conta. A casa resistiu, mas os anexos foram afectados, perdeu máquina de lavar e secar, um carro, uma "scooter" e as centenas de plantas diferentes que tinha.

"Dantes, era planta por todo o lado. Agora, é castanho por todo o lado. Trabalho na Quinta das Mil Flores. Aqui não teria tanto, mas tinha muitas. Era a minha paixão: não comprava sapatos para comprar plantas", desabafa Fátima Antunes, que, quando chegou à sua casa, na manhã de domingo, a angústia, para lá dos animais mortos, foi ver "um bocadinho de verde" na sua propriedade, no meio das cinzas. "No meio da destruição, ficar ali um bocadinho de verde, já não valia a pena estar lá", diz.

Tinha fruta para todo o ano, das diferentes épocas, de cerejas a dióspiros, passando pelas laranjas ou amoras, com as quais fazia licores e doces, "miminhos" para dar a quem passava. Agora, não terá mimos desses para dar, com as árvores queimadas ou secas pelo calor das chamas que circundaram as traseiras da sua casa.

"Pode ser que a natureza nos surpreenda e algumas das árvores, sem as folhas secas, tenham a força dos donos e vão também tentar desabrochar. Nem tudo está perdido", sublinha.

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