Paulo Campos processa quem o afastou “politicamente” do INEM

Demitido na segunda-feira da presidência do INEM, o médico nega conclusões de processo disciplinar por ter supostamente transportado doente amiga em helicóptero do instituto.

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Paulo Campos está suspenso enquanto decorrer processo disciplinar. PÚBLICO/Arquivo

Paulo Campos, que na segunda-feira foi demitido de presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) pelo ministro da Saúde na sequência de uma recomendação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), condenou o “processo conduzido politicamente”. O médico garantiu que, até ao final da próxima semana, irá “agir administrativamente e criminalmente” contra todos os envolvidos na decisão – entre os quais a anterior tutela, encabeçada pelo então ministro Paulo Macedo. A acção já está a ser preparada pelos seus advogados.

Numa conferência de imprensa, Paulo Campos disse compreender a decisão do agora ministro, Adalberto Campos Fernandes, perante as orientações que já vinham de trás. No entanto, o também major insistiu que foi vítima de “saneamento político” e disse ter várias provas escritas de que foi “silenciado” durante o último ano, com ordens do anterior secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal da Costa, para não prestar qualquer declaração sobre o caso em que estava envolvido e alvo de processo disciplinar. O PÚBLICO tentou ouvir Leal da Costa, sem sucesso.

Sobre a demissão, Adalberto Campos Fernandes reagiu nesta terça-feira dizendo que a decisão decorreu das recomendações da IGAS e “tudo dentro daquilo que é a normalidade jurídica e a normalidade do funcionamento do Estado”. No Porto, em declarações aos jornalistas, no final da cerimónia da tomada de posse do novo Conselho de Administração (CA) do Centro Hospitalar de São João, liderado por António Oliveira e Silva, o governante refutou também que o episódio da demissão de Paulo Campos tenha descredibilizado o INEM.

A IGAS investigou a actuação de Paulo Campos na alegada interferência que este terá tido no transporte de uma doente, em helicóptero do INEM, do Hospital de Cascais para o de Abrantes. O caso remonta a Janeiro de 2015 e o processo foi aberto na sequência de recomendações da IGAS, que concluiu que a sua actuação foi ilegal e contrária ao interesse público. Paulo Campos teria visitado em Janeiro de 2015 a doente em questão na qualidade de amigo da família e pediu o seu transporte de helicóptero. Por isso, a IGAS considerou que “foram disponibilizados bens públicos/meios de emergência/recursos escassos e altamente diferenciados, com prejuízo do interesse público, e com custos associados ao accionamento do helitransporte e equipas”.

Estes são precisamente os factos que Paulo Campos rebateu na conferência desta terça-feira. “Hoje é claro e está provado que eu nem sequer conhecia a família ou a doente”, garantiu, justificando que intercedeu pessoalmente no transporte da doente em causa por na altura estar em Lisboa e ser o único médico disponível para fazer o transporte. Questionado pelo PÚBLICO sobre quem o contactou, respondeu que foi um técnico e uma psicóloga do INEM, mas disse desconhecer se tinham alguma relação dom a doente.

Quanto às acusações de “usurpação” de bens públicos, disse que os helicópteros são pagos perante um acordo que prevê 1500 horas anuais de voo e que o aparelho em causa ficou pelas 1215 horas, pelo que não foi necessário qualquer pagamento adicional. Paulo Campos negou também que a doente fosse terminal. “Era uma doente crítica”, frisou, lembrando que tinha uma pneumonia grave e não diagnosticada na sequência de um tratamento de quimioterapia. O presidente do INEM demitido contrapôs que se não tivesse intercedido que “hoje estaria aqui a responder por homicídio por negligência”. A doente acabou por morrer dias depois, já no Hospital de Abrantes.

O médico insistiu que o processo da IGAS tem contornos políticos e assegurou que o relatório final do processo disciplinar é omisso em relação a várias provas produzidas durante a fase de instrução. Como exemplo, disse que havia 17 testemunhas e que só duas foram citadas e que reiterou que ficou provado que não conhecia a doente, que a doente não estavam em estado terminal e que o helicóptero “era o meio de transporte adequado” perante as condições clínicas e a falta de resposta em Cascais.

Paulo Campos descreveu que na urgência encontrou a doente “perdida ao canto numa maca”, com a “prótese dentária a sair da máscara” e a “partilhar o monitor com a doente do lado”. Diz, por isso, que houve negligência médica anterior à sua intervenção e que o que fez foi “salvar a vida” da doente. Sobre o processo que vai mover contra os intervenientes na decisão da sua demissão, sublinhou que é uma questão de “honra e bom nome” e insistiu: “Não posso ser penalizado porque tratei bem uma doente perdida no Serviço Nacional de Saúde”.

Apesar de a demissão ter sido formalizada na segunda-feira, Paulo Campos estava suspenso de funções desde Outubro, enquanto decorria o processo disciplinar que lhe tinha instaurado o então ministro da Saúde, Paulo Macedo, e que implicava a suspensão temporária de funções. O processo foi aberto na sequência de recomendações da IGAS, que concluiu que a sua actuação foi ilegal e contrária ao interesse público no caso do accionamento de um helicóptero para transporte de uma doente.

À frente do INEM desde Março de 2014, Paulo Campos incompatibilizou-se com vários profissionais, alguns dos quais pediram a demissão, e as denúncias de situações polémicas foram-se sucedendo. O caso do helicóptero originou o segundo processo de averiguações que lhe foi instaurado no espaço de poucas semanas. Em Agosto passado, soube-se que a inspecção não detectou irregularidades e arquivou, por falta de provas e porque o socorro não foi posto em causa, o inquérito sobre o alegado desvio de uma ambulância para que a mulher de Paulo Campos (que faz turnos como enfermeira da viatura de emergência de Gaia) conseguisse chegar a horas ao hospital em que trabalha.

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